REMEMBER NORMANDIA!

Life Should be Stereo



You can't manufacture a miracle
The silence was pitiful-that day
And love is getting too cynical
Passion's just physical-these days
You analyse everyone you meet
But get no sign - loving kind
Every night you admit defeat
And cry yourself blind

If you can't wake up in the morning
'Cause your bed lies vacant at night
If you're lost, hurt, tired or lonely
Can't control it try as you might
May you find that love that won't leave you
May you find it by the end of the day
You WON'T be lost, hurt, tired or lonely
Something beautiful will come your way

The DJ said on the radio
Life should be stereo - each day
And the past that cast the unsuitable
Instead of some kind of beautiful
You just couldn't wait
All your friends think you're satisfied
But they can't see your soul, no, no, no
Forgot the time feeling petrified
When they lived alone

If you can't wake up in the morning
'Cause your bed lies vacant at night
If you're lost, hurt, tired or lonely
Can't control it try as you might
May you find that love that won't leave you
May you find it by the end of the day
You WON'T be lost, hurt, tired or lonely
Something beautiful will come your way

Some kind of beautiful

All your friends think you're satisfied
But they can't see your soul, no, no, no
Forgot the time feeling petrified
When they lived alone

If you can't wake up in the morning
'Cause your bed lies vacant at night
If you're lost, hurt, tired or lonely
Can't control it try as you might
May you find that love that won't leave you
May you find it by the end of the day

You WON'T be lost, hurt, tired or lonely
Something beautiful will come your way


Something Beautiful

Robbie Williams

Confidência do Itabirano



Sabe.

Todo mundo tem algo em si que acredita que a torna a pessoa mais idiota do seu mundo. Um maneirismo de sapato velho, um vício de gostar sabe-se-lá-porque ou um jeito de dormir que deixa o braço dormente. Enfim, algo do que reclamar em si que, por mais que os outros achem bonito, é a coisa mais horrível do mundo quem-dera-eu-não-fosse-assim. Uma amiga minha estes dias assumiu a sua, e com isso me fez pensar se não sou como ela. Eu estes dias também andei pensando na minha e concluí por fim que sou de uma ingenuidade incurável.

Nunca acreditei nisso de fazer anos. Aniversário para mim é o motivo do ano para dar uma grande festa em cima de todas as festas que são todos os dias porque a vida é boa pai. Sou o mais novo de todos meus irmãos mais novos, e já até me pensei caso de analista, síndrome de terra do nunca. Mas os anos foram passando (mentira!) e eu vi que gostava mesmo de video-game. Jogo deitado no divã, na sexta-feira que é dos outros. Não tenho carro de controle remoto porque até hoje não encontrei o que quero. Sempre acabo na sessão de livros infantis, tenho revistinha no banheiro, muito disso porque não acredito nas revistas semanais. Tenho uma espada (de verdade) e todos os episódios da Caverna do Dragão. Escuto Trem da Alegria no carro, com os vidros fechados quando chega no sinal, mas escuto! Eu consigo tirar minha sobrinha do sério, e falo com voz abobalhada quando encontro um toddler de rostinho bonito e que me manda um "Oi!" que ilumina meu dia. Sou padrinho bobão da menorzinha, choro só de pegar ela no colo. Enfim, esse pequeno mundo faz tanto sentido para mim que às vezes me pergunto se é tão ruim assim acreditar nas pessoas como quem acredita que doce de leite é a melhor coisa do mundo depois da bicicleta do natal passado.

Eu juro que tentei me curar: ouvi gente, li gente, quebrei a cara, fui enganado e até fiquei triste! Passei por maus bocados nos lábios de mentirinha de gente tão coitadinha... todavia fui tolo também, cometi gafes sentimentais, danifiquei corações, e tem até quem diga que sou a causa dos males do mundo. Rodei na mão das mais variadas especialistas, todas elas com algo para me dizer que era eterno-enquanto-duro: ah! tive meus momentos de beber desse xarope de alcova, que só amarga no final. Acreditei no copo americano e nas doses homeopáticas de horror moderno. De tudo tentei o pouco, e ao final, descobri-me inexperiente ainda, crédulo ainda, bobo ainda dessa vontade de fazer gol de bicicleta, porque-é-o-mais-bonito!

Vai ver é algo patológico mesmo. Vai ver o certo é aceitar as coisas como elas são e não fazer nada para mudar. Vai ver. Eu prefiro fazer. E diferente, que é a minha praia.

É bom tocar o fundo de lama de alguns lugares da vida e não gostar do fedor. É bom dormir se sentindo sujo e acordar no outro dia com sede do tamanho do chuveiro. Delícia isso de paulatinamente ir aceitando os binômios quem-tu-és-de-fato: Caravaggio claro-escuro, doce-salgado, cabeça-coração. Em suma, como é gostoso ser enganado e não perder a fé na raça de humanos, gente como tu rapaz. De esquecer para lembrar bem, de entender, de aceitar, de amar cada curva do caminho com esse ardor de pneu novo.

Fui e estou voltando. Algumas paradas no caminho ainda, que a conversa de caminhoneiro é mais difícil de se desaprender. Entretanto, faço esse trajeto com o boné para trás, camisa da OP, walkman da sony e fitinha. Antes de chegar em casa, paro no campão, peço um kichute, primeira próxima é minha quero-nem-saber-cheguei-antes-de-ti-tira-o-time-aê, e te digo, amigo e amiga, só saio quando fizer meu gol, aquele gol... tu sabes!

Se crescer é perder a fé, se liga nos trinta, dos outros, não no meu: eu ainda tenho muito ollie para dar nesta vida. E vai ser assim, até que a morte me repare, ou emende, ou ria junto comigo. Isso não quer dizer ser bobo: tenho uma troca para fazer, mais os 5 exércitos da europa, noves fora Londres ou o que seja, coloco tudo ali... 3 contra 1 monte de gente que me acha só, esses sim tolinhos. Tenho hotel na Av. de Sempre, se parar aqui, paga nada não que já estou rico de tanta coisa boa que as coisas ruins me deram no Jogo da Vida. Sou agradecido até a você que rolou os dados vermelhos, mesmo quando era o meu turno.

Se bom é aprender, desaprender em muitos momentos é melhor ainda. Há essa ânsia de ser grande, mas é mais bonito ainda ser pequeno. O tempo nos educa no gosto pelo simples. Se teu passatempo é aparecer, pizza ainda é minha comida favorita. Mais pipoca, menos prozac. Desista de esperar enormes feitos de mim, porque já fiz o maior de todos: fui o primeiro da galera a zerar Yer Yar Kung Fu. Renegade eu dava mais de 5 voltas cumpadi, tá pensando o que? Eu jogo com o Ryu, não com o Ken, e dou roriugueti triplo mesmo assim.

Acima disso tudo, acredito em vocês. No plural mesmo e sem medo de vacilo: é errando que a gente vai se aprendendo. Pode segurar o controle, sem receios, que é tua vez.

X, Y, A, B, Chêro!

May-be Borderline

Eu gostaria que o atlântico fosse uma mentira inventada. Eu gostaria que meu pensamento fosse um pombo, e minha imaginação, toda linguagem do mundo. Gostaria também de nunca ter aprendido a ler: palavra, ofensa grave! A caneta neste momento é para mim como a espada do covarde, segurada pela mão invisível de Iago. A tinta é a lágrima que escorre do papel, lamento da humanidade inteira: o carvalho morre triturado na prensa, que podia bem verdade, espremer fora todo o sentimento que enfeita entre-linha.

Sim, nada mais difícil do que cruzar a fronteira do dito. De ficar ali suspenso olhando para aquele universo do não catalogado e pensar: (...). De levar a mão ao peito, buscar o bloco de notas, o teclado-atalho, o lápis, o livro, o dicionário... e só encontrar páginas em branco. De lembrar dos dias que cruzou os portões das academias, dos debates e embates em busca da tão sonhada glória de trabalho final. Do que disse e ouviu, do riso, do escárnio, do meio-aplauso para o meio-homem e dos tantos outros bezerros de ouro, ícones da vaidade de giz. Enfim, de apesar de se sentir agradecido, ver que nada disso é capaz de te informar um pouco da encrenca enorme que te vai no peito. Ao som de uma voz antiga, ao toque de uma mão conhecida, voltamos ao totemismo de nós mesmos: o que não é clava, deve ser coração.

Não estou com isso desmerecendo a boa educação, estou apenas lembrando que um beijo é tão conceitual quanto uma pedra. Um sorriso, anotomicamente falando, é o espreguiçar da boca triste. O suor é tanto um pedido de licença do salgado em nós como um convite para namorar comigo. Um cheiro é uma verdade que fugiu para o nariz de quem nunca esquece. O teu gosto é cápitulo inteiro, salpicado de versículos arranhados e mordidas no cangote. Em suma: não desmereço a carteira de identidade e o CPF, mas eu ando com meu mapa astral no bolso, só por precaução.

Não quero fazer o discurso dos desiludidos, mas por favor, quando o assunto é o que vem lá do fundinho, não vale colar, nem repetir: só sentir. Professor senta no mesmo lugar que aluno e a lousa escreve sozinha absurdidades que ninguém copia. Ao final do semestre, prova, para responder em casa, em duplas:


Gentilmente e à meia-luz, deleite-se nas questões que se seguem:

1) Segundo os autores tratados nesta unidade, defina "Ela" e "Ele", e a importância de ambos para o universo que é vocês dois;
2) Situe, de acordo com a escola francesa, o conceito de coeur e e suas implicações para a sociedade moderna do quarto de casal da casa;
3) Experimente o sabor da alteridade, e defina o gosto de "língua".
4) Marque (N)ada, ou (S)eja o que for, mas viva, meu filho(a)!


Pois, dizer dessas coisas é visto como a nova rebeldia, mesmo que você adore sapatos de couro italiano. Fazer o que? Não as dizer! Sim! Contra toda essa política de nota-de-pé-de-página nada melhor que o silêncio de quem cruzou a fronteira: a delícia de ser ilegal! Pode ser confuso no começo "não ter o que dizer", todavia acredito que com o tempo nos acostumamos a pensar pouco, até que o muro branco se pinta de rosa e o Nirvana vira algo como (insira aqui sua imagem de paraíso).

Se o atlântico fosse uma mentira inventada talvez aprendessemos a ter saudade da pangéia. Não que não houvesse gosto pelo diferente, mas é bom estar pertinho, não é? Nada contra a poesia também e todo esse amontoado de pergaminho, mas oralidade é uma palavra evocativa... e danada! Já o pensamento, bem... esse é sempre-pássaro, com a imaginação como esqueleto e beijo amarrado na perna. Voa longe, cruza oceando de mentirinha e bate lá no coração de quem fica para além do bojador. Para quem vai par'aquém, fica já a dor, antecipada, da saudade do gostinho de mô bem!

Disse tudo isso para não dizer nada. O teu silêncio é o testemunho do teu carinho. Se for para abrir a boca, tudo bem, mas que não seja para me dizer talvez, mas para gritar um sim! Senão, fico com o nada dito, de tudo pensado, e sempre consumado, registrado no cartório do lençol e das manchas na almofada, provas científicas de nós dois.

De resto, quem diz fronteira, diz praia, sol e mar. Vamos?

Tu, sonrisa.



Quítame el pan si quieres, quítame el aire,
pero no me quites tu risa.

No me quites la rosa, la lanza que desgranas,
el agua que de pronto estalla en tu alegría,
la repentina ola de planta que te nace.

Mi lucha es dura y vuelvo con los ojos cansados
a veces de haber visto la tierra que no cambia,
pero al entrar tu risa sube al cielo buscándome
y abre para mí todas las puertas de la vida.

Amor mío, en la hora más oscura desgrana
tu risa, y si de pronto ves que mi sangre mancha
las piedras de la calle, ríe, porque tu risa
será para mis manos como una espada fresca.
Junto al mar en otoño, tu risa debe alzar
su cascada de espuma y en primavera, amor,
quiero tu risa como la flor que yo esperaba,
la flor azul, la rosa de mi patria sonora.

Ríete de la noche, del día, de la luna,
ríete de las calles torcidas de la isla,
ríete de este torpe muchacho que te quiere,
pero cuando yo abro los ojos y los cierro,
cuando mis pasos van, cuando vuelven mis pasos,
niégame el pan, el aire, la luz, la primavera,
pero tu risa nunca porque me moriría.

Diário de Notícias



Sabe
Tem quem goste com arroubos
E quem goste de falar do que sente
E que encante toda a gente
Com laudas de coisa sentida

De mim, eu te digo amiga,
Sou óbvio como o jornaleiro

Explico
Sinto tudo isso como uma notícia
Que me deixaram ao pé da porta
Junto à garrafa de leite e bom dia
Que a vizinha me deu

Penso em tudo isso, e só vejo lógica
De primeira página: EXTRA!
Fico tão atordoado que nem consigo
Lembrar de ler o necrológio:

Meu cérebro agora virou uma tipografia
Que só imprime panfletos rosas
Em letras garrafais

Folhetim de coisas miúdas
Que amontoadas viram grande acontecimento
É como defino este momento
Na falta de melhor metáfora

Digo isso, mas digo pedindo licença
Modestamente
Já que és tu a senhora
De todas as figuras de linguagem

E já que estamos falando de ti, comece a se explicar!
Sim, diga o que é isto aqui escrito na página 3
E na página 2, e na página 1, porque
Em lugar algum vi coisa
Tão bem escrita:

A sutileza da sátira parisiense
Se misturando com a filosofia alemã de fin de siécle
E uma pitada de paixão silenciosa da andalucía

Em suma
Apesar do susto de início
Gostaria de ordenar minha assinatura
Deste periódico, e nas coisas ditas
Ler tantas outras ainda tímidas

Porém, antes disso, tenho lá uma exigência
Que tu todos os dias, apenas me tragas
O caderno de cultura, pois não é loucura
Apreciar um bom espetáculo

Afinal, hoje mesmo fiquei sabendo
Que no Opera vai se apresentar uma bailarina
Ela sozinha, porque ela só é toda uma companhia

O espetáculo não tem nome ainda
Mas me segredou amigo, que o Ato I
Chama-se "Os Bons Sentimentos"
No ensaio, era ela em pé sobre cadáveres
Representando o passado de alguém
Que com certeza
Chorava de alegria na platéia

Vês que não tenho lá o gosto tão fino
Tudo isso eu li no Diário de Notícias
Que por sinal, na edição de domingo
Dize-nos como degustar um bom vinho:

Sabias que a última coisa que fazemos
É levá-lo à boca?

Enfim
O que seria do homem sem a cultura?
Não sei de floreios (minto, verdade!)
Todavia continuo nada misterioso

Afinal, tenho esse gosto matinal
De levantar cedo todos os dias
E esperar, junto com o raiar do dia
O noticiário de ti, que chega até mim
Na forma de coração-jornal

Agora licença
Tenho uma leitura a fazer...

-Bom dia! A senhora vai bem também?

Amar, verbo TRANSGRESSOR!


Eu tenho vários dicionários mas nenhum com palavras competentes o suficientes para me definir essa revolta toda que carrego em veias no peito. Digo peito mesmo, porque quem dele fala, fala do leite que tomou, mal ou bem agradecido. Fala também dessas tripas todas que se enroscam entre ossos, desse agitar compassado, do sangue que circula e de toda essa pequena-gente que me mora e que nem sei o nome: amigos pequenos, senhores da minha hora final. Enfim, toda a vez que olho para a minha prateleira só encontro preguiça de quem não viveu metade do que escreveu. Não que eu te desmereça, meu genial amigo defunto, mas convenhamos, que preguiça! Nietzsche era o pequeno-Rilke, e quem adoram mais?

Por isso hoje vou cuspir na tua cara, e a minha saliva carrega o gosto do meu beijo. O lábio que escorre tudo isso é a minha carne, vermelha, como bandeira. Meu dente é branco-amarelado e tem remendo, de tanto doce que comi. A língua é o fim da frase, que nasce na garganta, túnel do grito, ela também vermelha. Tudo dentro de mim é dessa cor: basta me virar do avesso. E é justamente disso que estamos falando, do contrário de tudo. Do inverso do verso, da poesia que se mete a ser prosa, sem medo. Da bandeira hasteada, da passeata, da placa de PARE (ou não). Do sinal, de outubro de 17, do cartão de junho. Estamos falando da nova América Latina, américa minha e tua, de índios, negros e nenhum branco, que branco nunca existiu. Enfim, estou falando do vermelho, e também do coração.

Como te disse, palavras são preguiçosas. Mas quando cantamos o hino, a mão vai onde? E quando vem a dor, onde ela vai? E quando não há mais dor, que é o amor... e aí? A geografia da nossa anatomia... seria capricho ou piada que a sede do sangue (vermelho) seja no lado esquerdo do peito, sede da primeira sede? A esquerda é sinistra, e eu adoro mistério! A direita faz tudo certo, mas eu sempre tive a letra feia. Alguma coisa está errada então, mas, na dúvida, troquei de lápis... e de mão!

Estou sim chateado, chateado com o meio-termo. Conciliar é bonito na vara de família, mas seria bom nem precisar ir lá, não é mesmo? E como isso? Radicalizando! Sendo ortodoxo até o miolo do pão! E como isso? Ah, eu só sei um caminho: pela esquerda!

Sim, abra os braços, Miguel-ângelo. Abrace o mundo, que é você também, e não tenha vergonha dos braços curtos de início ou da timidez de quem não sabe o que é afeto. Abrace! Depois beije, mas beije com a vontade de respiração boca-a-boca, porque não se iluda: há muito quase-cadáver por aí, se há! Gente que está morrendo porque está na beira-de-qualquer-caminho, e não na estrada. Gente que deixaram à margem, gente que deixaram, e continuam a deixar. Gente que se deixou porque achou mais fácil ficar. Enfim, abra os braços Miguel e seja anjo daquele pouquinho de gente que é o teu derredor, e te digo, já fizeste tudo. Mas tudo mesmo.

Esse é o caminho, Miguel, esse é o caminho. Essa é a nova-esquerda que andam procurando lá em Sorbonne. Michel Löwy, Jacob Gorender, Frei Betto e a escola paulista. José Paulo Netto, Emir Sader, a UERJ, a Unicamp, enfim. Todos eles são nomes louváveis, mas não se engane: conservadores! Todos eles! Direita, dessa direita ainda presa a repetir as fórmulas e fumar os restos do charuto do Fidel. A nova-esquerda é a única-via, porque é declaradamente expressa: vai dar direto no coração. Sim, porque nascemos à esquerda. Nascemos sinistros, tortos, e desajeitados, com cara de joelho. Mas com o tempo, as coisas foram se esquerdeando em nós, fomos ficando cada vez mais radicais e intransigentes com tudo que cheirasse a... bem, resto de charuto!

O caminho da esquerda é o caminho de quem adota viver pelo que é precioso na vida: AMAR! Sim, antes de ser verbo intransitivo, o amor é transgressor. Ele não respeita a barreira da civilidade empoada e vai bater lá na casa de quem dorme no chão. Ele não anda de carro importado ou nacional, ele voa, que é filho de pássaro grande. Não respeita gramática: TE amo é como começa tudo, obliquamente. O AMOR, em maiúsculas, é o novo-conceito da velha-escola de sempre daqueles que fizeram a escolha de VIVER. Nem Hegel, nem Marx, nem ninguém: tudo metade! Amar: o novo inteiro.

É um silogismo fácil de entender: o coração é inquilino do lado esquerdo do peito, logo, o amor veste vermelho. Quem ama abraça e quem dá o braço dá o esquerdo. Quem levanta o pulso, canta um hino diferente, e grita na rua uma canção nova, que fala de coisas antigas. Os verdadeiros revolucionários de ontem e hoje são todos bardos e, altos brados, expuseram sem medo a morte do peito vazio, lado direito. Transgressores, riram da faca afiada e beijaram a mão no martelo de suas sentenças.

Revolução doce, revolução do beijo. Revolução do carinho, revolução do eu-me-importo-sempre. Revolução da boca, das tripas sinceras e do tudo preenchido. Todos os que se colocam sob essa nova bandeira, vermelha ainda, colocam-se não sob o peso do sangue dos que pensam diferente, mas na tutela da democracia do coração. O vermelho não é a cor daquilo que se derrama, mas do que circula dentro de todos nós. Cor velha do novo-mundo, bandeira dos novos-radicais e flâmula dos cavaleiros da nova-ortodoxia. Mundo-um, inteiro. Partido Político dos de Coração. Anti-Igreja Universal dos Despossuídos da Necessidade de Religiões no Plural.

Chega a aurora: vermelha. Chega, porque teimaremos até o fim. Amaremos em todas as conjugações possíveis. Revolucionários ATÉ a última hora, não descansaremos. Invisíveis ou visíveis, o mundo nos pertence.

Viva o amor, o amor não morreu!

Lua em Capricórnio


De que calada maneira
Você chega assim sorrindo
Como se fosse a primavera
Eu morrendo
E de que modo sutil
Me derramou na camisa
Todas as flores de abril

Quem lhe disse que eu era
Riso sempre e nunca pranto?
Como se fosse a primavera
Não sou tanto
No entanto, que espiritual
Você me dar uma rosa
De seu rosal principal

De que calada maneira
Você chega assim sorrindo
Como se fosse a primavera
Eu morrendo
Eu morrendo

Eros? Psique!


(Uma das partes do ministério do virar gente grande é a pasta do entender os clichês psicológicos que subjazem nessa baguncinha que se convencionou chamar eu. Um livro que lês, um filme que vês ou o amigo[a] que chora as mágoas do [des]amor perdido passam a ser para ti uma fonte inesgotável de reflexões: padeço eu, também?)

(Começa assim o labor do susto de si, que depois evolui para uma abordagem mais complexa de si mesmo. As associações ficam mais interessantes, e os bois ganham não só nome, mas lugar no espaço-tempo de tua vida. Pasma-te descobrir que aquela tua mania odiosa, que tanto te faz sentir-te mal e incompleto[a], na verdade está ligada ao brinquedo que teu irmão quebrou, ou ao peito que tua mãe não te ofereceu. É estranho ver que aquilo que acabou, acabou antes mesmo de começar, porque esse fim vivia em ti, em forma de pequenos detonadores que tu mesmo fazia questão de acionar todos os dias para te punir por aquela nota que tiraste na 3a série, ou por aquele campeonato de futebol que tu perdeste o penalti aos 45 do segundo tempo!)

(É impressionante o quanto possuímos destes pequeninos e corrosivos seres a habitar o terreno fértil de nossa [in]consciência. Ninguém gosta de problemas, todos se querem ver livres deles. Mas, os remédios nem sempre estão de acordo com o mal em si. Do terreiro à tarja-preta, da conversa ao laissez-faire do já passou, existem inúmeras nuances que exigem aproximações gradativas e seletas. Na verdade, o que quero dizer é que brasileiro tem mania de achar que tudo se resolve ou com dinheiro, ou com reza. Tá certo que Jung foi um puto, Freud mais ainda. Mas tudo que eles ensinaram ainda é válido: se foges da auto-análise, da carne crua exposta de tua psique [palavra grega, lembro], condenas-te livremente a vestir a toga de Sísifo, e ao ofício de loop daquilo que te prometeste nunca mais viver. Conversa de ágora, tua vida fica resumida assim:)


COMEÇO DO ATO

Cena: Tu és teus maiores temores.

Herói: "Tenho medo"
Parcas (rindo): ...
Coro: "Eis que a Hélade hoje chora"
Herói (ainda com medo): Quem canta?
Psique: "Não me chamo sereia, falo apenas".
Coro (tampando os ouvidos e apontando o céu): "Caprichos do Olimpo"
Herói (mostrando um saco dinheiro às Parcas): "Comprem a melhor solução que encontrarem"
Parcas (saindo): ...
Psique: "Continuarei aqui"

FIM DO ATO
Caso teimosia => LOOP mode = [ON]


(Meu amigo, meu herói, quer o sentido de coragem? Enfrentar-se. O de vitória? Vencer-se. O de superação? Acordar melhor do que ontem. Ninguém perde o que não tem, não é isso que está escrito na porta do banheiro do petit-bar que tua enorme dor costuma ir nadar? Mas e quanto ao teu sacrifício aos deuses do melhor em si? Ou preferes gastar tuas dracmas nas portas do templo do todo-poderoso-Lamuriar-do-que-deixou-de-ser? Escolha tua. Certo é que Psique não dorme, e quanto tu pensas que ela te esqueceu, eis que ela aparece no meio do teu sonho, em que te vês abraçado a serpentes e outras criaturas que sugam teu sangue, fino. Acordas suado, e teu grito no escuro é o testemunho do que vens fazendo de tua obrigação de encarar o espelho sem aço da necessidade em se ser melhor)

(Nós não conhecemos outro recurso melhor para exorcizar fantasmas do que mudar a ração deles: só lobos caem em armadilhas para lobos. Sejamos repasto para fomes outras, alegres e saudáveis, que nos caem em bocadas amigas, anseios de coração. Mas antes do lábio, o olho: instrospectivo, penetrante, Ísis-deusa-mulher em nós, curando e ensinando. Só assim nos livramos dos clichês, que em bom português quer dizer "mania de carangueijo". Desculpe a mãe, o pai e o irmão. Desculpe o pé torto, que chutou a bola para fora mas te carregou até aqui. Por fim, desculpe tudo que passou pelo bem do tudo que virá. Sem [auto]perdão, meu querido filho de Éolo, a montanha é mais alta ainda)

(Com isso, Psique torna-se eterna amiga. Noite vira tempo de dormir bem, tranquilo e abraçado com a certeza do melhor presente)

Vês o palácio dele; o rei está lá dentro;
à tua frente está sua mulher e mãe
dos filhos dele. Eis a resposta, forasteiro.

Alembojador (Depois do Mar)



Cuidas, Ínvio, que cumpres, apertando
Teus infecundos, trabalhosos dias
Em feixes de hirta lenha,
Sem ilusão a vida

Cuida-te,

Segue o teu destino,
Rega as tua plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias

A tua lenha é só peso que levas
Para onde não tens fogo que te aqueça,
Nem sofrem peso aos ombros
As sombras que seremos


sendo mais.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nos somos sempre
Iguais a nós-próprios

Para folgar não folgas; e, se legas,
Antes legues o exemplo, que riquezas,
De como a vida basta
Curta, nem também dura



Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Pouco usamos do pouco que mal temos.
A obra cansa, o outro não é nosso.
De nós a mesma fama
Ri-se, que a não veremos.

a pergunta,

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.


Quando, acabados pelas Parcas, formos,

Vultos solenes, de repente antigos,
E cada vez mais sombras,
Ao encontro fatal -


e nunca,

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

O barco escuro no soturno rio,
E os novos abraços da frieza stígia
E o regaço insaciável
Da pátria de Plutão.

o jamais.

Gostar, ofício a leste de Gibraltar.


(Por muito tempo, meu amigo e minha amiga, acreditamos que isso de gostar era o antônimo de caravela: o mar forte que quebra na quilha, a mão insegura, velas recolhidas em embarcação ao sabor dos elementos. Sim, amar era tudo ou nada depois do equador. Achávamos bonito as imagens do passado e do presente que corroboravam essa ânsia do incerto e da loucura, e confudíamos sentimento com romantismo barato de folhetim parisiense, esquecidos que Balzac não era aventura de um dia, era toda uma comédia educativa dos erros que eu e você tanto nos acostumamos a dormir de conchinha)

(O tempo passa, a gente passa e vê que atlanticamente nada fica. Nada fica do revolto de tuas emoções passadas: delta em ti, escoadouro de ilusões. Se tens essa sorte maquiavélica, cultivas do tudo dito alguma virtude e escolhes flores independentes dos espinhos. Senão, te afogas no Nilo e crocodilo, que é bicho, te come. Teus dias acabam por se tornar assim a dependência da boa vontade de alguma Ísis que vá passar a limpo o ventre alheio e recolher teus pedaços)

(Mas para nossa fortuna, chega aquele dia que a humildade da madeira gasta faz voz de porto: você se recolhe um tempo de toda intrepidez. Alguns confudem o silêncio com a amargura e o distanciamento do pior como solidão. Outros todavia sentem o imperativo do oráculo de Delfos: descalços vão sentar à beira do mar. Depois de alguns pôr-do-sol, a vista vai se acostumando lentamente ao luzo fusco do pior que dejà passou. A vontade de terra-nova sempre esteve contigo, entretanto, só com a mente asserenada é que se consegue ler as entrelinhas estrelares que te guiam entre um trópico e outro)

(E aí, meu parceiro e minha parceira, é que tua embarcação toma o rumo do leste, e te vês na eminência de querer descobrir o novo-no-velho continente. Que o mundo é redondo não duvidas, mas quem gira demais fica tonto. Teus sabores já os tem, de exótico já basta o que não basta em ti. Camões foi o poeta do declínio, dessa Portugal que se lançava a braços do Restelo ,acreditando que ia atravessar o mundo a nado: ninguém escutou a voz rouca do velho. Por pensar assim, chamam-te covarde, leitor de Kant. Acreditam-te fraco, anti-Acab. E nas colinas de Lisboa costumam caçoar de ti, tu e toda essa tua sede de Mediterrâneo)

(Mas eu não te condeno. Tenho cá para mim que gostar é sinônimo de velejar. É a viagem que se faz do ponto A ao ponto B com Descartes amarrado no porão. Viver é preciso sim, quem acredita no contrário é essa gente da Baixa-Chiado quem tem a vida ganha no navegar dos outros.)

(Por isso, aprovo os planos cartográficos de coração-sereno. Partes com o selo do Rei tu que vais bem-ali em Trípoli, buscar a provisão de sempre. Tu que beijas os teus quando partes, pequenos que dormem quietos à noite e nunca perguntam quando tu voltas porque assistem o sono tranqüilo de tua senhora. Enfim, serve mais à pátria-do-peito você que cruza o mar velho de velas abertas do que aquele que é só promessa de meridiano: sinceramente, aventureiros Portugal sempre teve à borla!)

(Gostar é ofício dos calmos. Se tens o peito opresso, a vista turva, e as mentiras todas contadas, então larga o leme e te recolhe ao serviço de escritório durante um tempo: contabiliza tuas empreitadas, coloca em panos tuas feitorias. Só assim vais ter espaço para novos papéis. E aí, vais ver que toda essa ânsia alentejana era apenas impulso teu à pirataria. Calma, meu amigo e minha amiga, é o que a vida vai vos pedir, e apenas isso, porque sem calma ninguém vai entender vossa caligrafia)

(Sigamos na confiança de vencer os desafios por etapas, e que ninguém se gabe por saber onde fica Gibraltar: conversa de peixe é rir dos ossos de quem achou que era bom demais para remar. Trípoli é bem ali, bem o sei. Agora sem paciência ninguém cruza o cabo, que bem lembro, é das tormentas. Experiência ainda vale algo, e quando o assunto é água-funda, todo cuidado é pouco)

(Navergar é incerto, posto que é engenho. Todavia, chegar é preciso)

A Mulher do Mercador do Rio: Uma Carta

No tempo em que meu cabelo caía reto sobre minha testa,
Eu brincava ao pé do portão da frente, colhendo flores,
Vínheis então montado em pernas de bambu, brincando de cavalo
Ou caminháveis em torno do meu assento, brincando com ameixas
azuis.

Assim íamos vivendo na aldeia de Chokan:
Dois pequeninos seres, sem rancor nem suspeita.

Aos catorze anos desposei Meu Senhor, Vós.
Rir é que nunca pude, pois sou tímida.
Baixando a cabeça, contemplava a parede.
Ao chamarem por mim - mil vezes - nunca olhei para trás.

Aos quinze parei de fingir-me zangada
E desejei que meu pó se misturasse ao vosso
Para sempre e para sempre e para sempre.
Para quê haveria de subir ao mirante?

Aos dezesseis viajastes
Fostes para a longíqua Ku-to-yen, à beira do rio dos remoinhos,
Cinco meses já vão que estais ausente.
Doloroso é o barulho dos macacos lá em cima.
Arrastastes os pés quando partistes.
Ao pé do portão, agora, cresceu musgo, diversas espécies de musgo,
Enraizados demais para que possa arrancá-los!
As folhas caem cedo este ano, com o vento.
As borboletas aos pares já estão amarelas de agosto
Por cima da grama no jardim do poente.
Elas me magoam. Estou ficando velha.

Se voltardes pelos estreitos do rio Kiang.
Mandai-me dizer a tempo
E viajarei o mais longe que possa ao vosso encontro
Pelo menos até à altura
de Cho-fu-sa.


Ezra Pound.

[Pé-de-Flor: uma carta]


Querida amiga:


Já faz algum tempo que não te escrevo. O motivo de meu silêncio é o mesmo do teu: a lama do quintal de nossas travessuras sempre manchava o papel. Também, como te via constantemente, não enxergava o motivo (entre outras coisas) para te escrever. Ficava assim nesse silêncio de cotidiano, onde a mão respondia mecanicamente e o coração tentava adivinhar o que não era dito.

De algum tempo para cá tudo mudou, inclusive você: fostes morar para lá de Chokan. Não tive mais como vivenciar o prazer (secreto) que tua companhia me trazia todos os dias, mas tentei resistir delegando ao meu cavalo o ofício de trazer o vento: furiosamente triste andei pelos campos de para-lá-da-aldeia, chicoteando o lombo que me transportava, porque o passo lento era o sinônimo do odor agradável, cheiro que a brisa suave gravou como teu nome, que é um nome de flor, para quem não sabe.

E por isso minha amiga, que ao voltar de lá para onde não quero ir sem ti, experimentei essa dor que só pode ser a morte, visto que não tenho outro nome para dar para coisa que corta que nem espada nada afiada. Eu te procurei e disseram: too long a sacrifice can make a stone of the heart. Duvidei. Não você, não ela, pois para quem não sabe, ela tem nome de flor e da pedra ela só conhece a terra, fonte da pétala, do orvalho e do perfume que senti quando cheguei em casa vindo de para lá da aldeia, casa do chão. Eu a conheço antes de portão existir, quando tudo era cerca baixa. A vi em beleza de térreo, porque a escada nada serve para ela, só para mim, que sou mais baixo. Duvido. Não digam tais bobagens, retruquei. E desde então, parti também de Chokan, porque não me merece um lar que me conta tais mentiras de inverno quando me sei a andar em primaveras de jardim sempre florido.

Montei meu cavalo, o mesmo que selaste três anos atrás quando me disses: "É guerra sim, porque é luta, mas dura pouco porque ferro é feito de carne". Montei ele e fui para nunca mais voltar para esse lugar. Faz pouco tempo que parti, e no começo fiquei sem saber por onde seguir. Mas aí lembrei teu nome, que para quem não te sabe, é apenas um nome de flor, e tudo ficou claro para mim. Fiz do rio meu guia, e da água peguei emprestado a certeza de matar tua sede, todos os dias.

Foi quando naquela segunda-feira, que é o começo da semana para os que não desistem, ao longe eu te avistei: estavas com o mesmo vestido da véspera de 7,2 vezes 5 meses atrás, quando me disseste "Vais porque tens que, fico porque sou parte". A euforia teria assaltado meu coração se antes ele não tivesse sido tomado pela fé presente de te encontrar ali no caminho para algo melhor. Pensei em correr para ti, mas uma chegada muito apressada podia te sujar com a poeira levantada do caminho passado. Resolvi moderar o passo e te seguir como o cão amigo que segue o ronin: atrás, porém, alerta. De mais longe podia reparar em cada detalhe teu, porque meu olho não só te via, mas te via em presença na paisagem que te rodeava. Sei das tuas lágrimas, contei cada uma delas como contei cada noite que pensavas dormir só. Procurei fazer o silêncio dos que confiam, mas infelizmente, não pude conter as batidas que me vão no peito, a fanfarra que se instalou à tua mirada e que alguns anatomistas chamam de "coração".

E por isso que hojes acordas e encontras ao teu pé essa carta: sei que não conseguiste conciliar o sono por causa da melodia que a caixa de amar do meu peito insistiu em tocar a noite toda. Aceite o tudo dito como um enorme pedido de desculpas. Não queria atrapalhar o teu já escasso sono, mas entenda que é como eu respondo à tua presença. Fique certa também que estou aqui, em algum lugar dessa floresta que é grande demais para ti agora, e que te seguirei até Ku-to-yen ou para qualquer outro lugar que seja desde que seja teu. Um lugar que possas novamente erguer uma casa sem portão nem escada. Uma casa aberta como tua já provada enorme capacidade de amar. Só numa casa assim, pode-se plantar e esperar que germine o teu nome, que para quem não sabe, é sim uma flor, mas do tipo especial que só germina à beira de rio, e que não responde a pretensões de água-parada.

Cho-fu-sa não, que chega disso de metade. Já que é para fazer, façamos inteiro. Cavalgo ao teu lado, minha doce amiga. Ao menor sinal de cansaço teu, desço eu. Erguerei-te com meu braço cheio de fibras e sentarás junto a este teu velho amigo. E sem a necessidade de quaisquer outros aguilhões, o vento virá apenas respondendo o chamado do teu cabelo, que para quem não sabe, tem cheiro do teu nome.


Fique desde já com a informalidade do meu beijo.


Seu companheiro de sempre.

Nuovo Mundo


S'elli ama bene e bene spera e crede
non t' è occulto, perchè 'l viso hai quivi
dov' ogni cosa dipinta si vede;
ma perchè questo regno ha fatto civi
per la verace fede, a glorïarla,
di lei parlare è ben ch' a lui arrivi

(Sim meu capitão, o céu não anuncia tormenta: estrela aberta, dorso nu da noite que deixa tudo ver. Ay Ay, mão firme no leme, rumo tão certo que ninguém chorou Alexandria. Dorme ela no fundo das águas calmas do mar sem ondas, terror da tireme. Sim meu capitão, creia-me: terra em vista em noite sem lua: sem o farol, o céu é mais claro. Ninguém chorou Alexandria meu senhor, meu capitão, ninguém.)

Nor dread nor hope attend
A dying animal;
A man awaits his end
Dreading and hoping all;
Many times he died,
Many times rose again.
A great man in his pride
Confronting murderous men
Casts derision upon
Supersession of breath;
He knows death to the bone -
Man has created death.

("Alto lá!" grita o que dorme. O que desperta espera: crê, sofre o que não tem convés. Sim meu capitão, a água abraça mas não envolve: Alexadria se foi e nada mais se faz oculto. Tout a droit, com a graça de nosso Senhor. Não temos tempo para a novena, o vento novo não espera. Que os mortos cuidem de seus mortos: estamos com peso a menos. Tout a droit mon captain. O esqueleto de Netuno é o nosso desafio e na veia exposta singraremos. Esqueçam as musas, amigas das sereias e o seu Canto maldito! Canto maldito! Canto malade! As devoradoras de tiremes riem em números grandes, cifras enormes, mas não de nós, stranieri, surdos, filhos de Ulisses. We cast the derision upon you, confronting, surely some revelation is at hand: meu capitão, seja a cera que cobre nossos ouvidos)

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo -
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Embaixo, a vida, metade
De nada, morre.

(Por certo: TERRA. Vês? É todo o teu mundo novo que ali se descortina, de braços nus te recebe, tal qual a parábola do novo-livro, pródigo. Boa nova, corre, grita, cabeça para dentro da escotilha, alerta teus outro irmãos, os de braços-cansados, alma opressa, coração no porvir: chegamos, oh meus amigos, meus irmãos. Enche teus pulmões, ri teu riso e chora teu pranto: aqui o mar é doce. Escutas? É o grito de quem te esperava: cá estou, meu marinheiro, bravo varão! Abraço apertado é começo de fado, ah! Portugal, tuas mães já não choram. O Aqueronte é pra lá de Alexandria, morreu o dia, a noite nasceu. Era escuro e sem farol, mas chegaste com a luz da coragem dos que tentam, rebentos sedentos daquela aurora. Sentes? É o calor de quem sempre te quis bem. Beija o solo, sente o gosto deste mundo-novo que todo absurdo agora é pouco, tens teu porto: "Meu Senhor, meu capitão, aqui cheguei")

La liberté consiste à pouvoir faire tout ce qui
ne nuit pas à autri; ainsi l'exercice des droits
naturels de chaque homme n'a de bornes que
celles que assurent aux autres membre de la
société la jouissance de ces mêmes droits. Ces
bornes ne peuvent être déterminées que par la loi.

(Nós, os nativos te saudamos! Sejas bem-vindo, em nome do Rei, nosso amigo, nosso irmão!)

Verkaufsschlager


Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos, de

nós mesmos somos desconhecidos - e não sem motivo.
Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que
um dia nos encontrássemos? (...) Nosso tesouro está
onde estão as colméias do nosso conhecimento. (...)
Nas experiências presentes, receio, estamos sempre
"ausentes": nelas não temos nosso coração.

(Muito foi dito e conversado esse tempo todo que passou. Todo mundo tem a resposta daquilo que diz respeito só a ti. Facilmente tira-se do bolso a resposta dos teus problemas, e rabisca-se no guardanapo o número-chave que vai te arrancar do ali-ausente. Ah! - gritou o português de antanho - nunca conheci quem houvesse levado porrada. Cruz na porta da tabacaria dos outros é o refresco do não aconteceu comigo. Poisé meus amigos, campeões em tudo, peço licença para a minha vileza)

(Aceita um aviso? Saturno chega para todos. Sei que estou soando rabeca perto de violino, mas melodia não respeita números. Quer outro nome? Chame de crise dos 25, ou depois, crise da meia idade. Chame do que quiser, o deus é meu eu que me resolvo com ele, apesar de ter endereço em outra pedra. Todavia, um dia, deitado na tua cama, ensopado de um suor que não é teu, vais querer abrir a janela para tomar aquele vento, refrigério da consciência. Se for noite sem lua, contemplarás deuses e astros e dirás "E eu com isso?". Talvez ria, alto, para abafar o som do panteão em órbita, do anel que gira e te mira com o olho dos que esperam. Entre-tanto riso, contigo não vai ser diferente: será alta noite quando o deus chegar em tua porta. Ele vai te carregar no colo com todo o cuidado e vai te deixar exatamente no centro daquilo que tu vens construindo. Dali para frente, mein freund, a encrenca é tua, e só sua)

(Por isso e por agora é fácil ter resposta para o que os outros passaram. É fácil pedir a morte daquele que é tão igual a mim e a você, e que foi tão diferente, porque assumiu para o mundo que estava louco do afeto que não entendia. A sociedade em nós, o "espírito de turba" que o francês categorizou, nos enche desse bom senso fácil, do dedo que aponta, da máxima que degreda. Gostamos de atirar na lata de lixo da vida todos aqueles que ousam aparecer em enfusões daquilo que mais tememos mais sabemos que também está dentro de nós. Há quem não tenha cometido uma loucura por "amor"? Existe essa criatura que não sofre quando assunto pula para fora da caneta e vem cobrar tinta dos teus órgãos mais vitais?)

(Pelo visto você sabe a resposta de tudo, e você, champ, nunca fez a burrada de gostar. O que eu digo não se aplica a você, e eu mais uma vez perco meu tempo com minha mania de fazer filosofia em muro alheio. Picasso não pichava mas nunca teve o gosto de experimentar uma contravenção. Já de mim, assumo-te: fiz e vou continuar pecando. Por que? Ora meu amigo, aguardam-me no país da fleuma, mas vou morar em cima do pub: eu sempre gostei do paradoxo e não enfrento problemas com dicotomias. Sei que no final mostro minha verve marxista e sintetizo tudo de uma forma que deixaria pasmo até você, a eterna gestante de um conhecimento que nem mesmo inglês quer ver)

(E já que estamos falando da Alemanha, eu te deixo outra sugestão: a única coisa que levamos daqui é a lanterna que Diógenes nos brinda quando ao final do tudo posto. Cinismo não é comédia de pseudo-sábio, é a recusa do costumeiro. Certo que tudo é moda, e deixe isso de ser diferente para teus filhos adolescentes: aprendemos também com o de antes. Nossos pais foram mais felizes, a prova disso é que eles não precisavam de tantas comédias românticas que ensinassem a eles o valor daquilo que, agora, é estranho e esquisito para nós. Ah, l'amour... suspiros, reticências, mais suspiros, reticências. Tudo isso, de fato, pertence ao plano atual da retórica esquiva: na matemática da vida, 1+1 é sempre = 1 inteiro. Infelizmente não é todo mundo que tem esse cálculo na sua grade curricular)

(Por isso campeón, não peço entendimento, peço espaço. Menos pressa na hora de julgar os outros e caldo de galinha não faz mal a ninguém. Tens toda essa bagagem, todos esses livros e esse monte de gente que já morreu. Já dos meus papéis, fiz fogueira: filho da pedra gelada, precisava de lume para me aquecer. Mesmo sem Saturno (ainda), recomendo-te a mesma coisa: fogo é luz que pode te mostrar o caminho para fora do umbigo)

(Menos prozac, mais presente. Não somos tão inteligentes assim. Título se pendura na parede, não no peito, que machuca. Passaremos longos anos vendendo no atacado nosso "tesouro" para trocar pela esmola de um bem-querer: isso de ser só é fácil quando se é pouco. Vem o dia que queremos mel, e para isso, trabalho em equipe: colméia. Não venda barato teu ferrão, guarde-o para tua abelha rainha)

(auf Wiedersehen Meister)

Banho Demorado


(Hoje no banho, pensei em você: não bobinha, não desse jeito. Na verdade, seu nome escorregou da minha cabeça de maneira muito mais grave. Não quero com isso desmerecer tua feminilidade, mas acredito eu que tenho outras formas de homenagear as que passam, e mesmo as que ficam. Sabonete para mim é estandarte da virtu, fortuna da limpeza. No banho construo purificando-me. Digo tudo isso, para preencher de respeito ambiente tão questionável. Conto com tua boa vontade e inocência, na superação dos clichês imaginativos herdados de crônicas outras)

(Sim, dizia eu que pensei em ti. Pensei para me perguntar do valor daquilo que carrego comigo. Canso de repetir para quem quer e quem não quer ouvir que sou o "tipo de cara" [maneirismo dos 80's] que procura ver o lado bom de tudo. Sou. Que procuro guardar o que há de bom, de ser grato. Verdade. Que tenho uma infinidade de defeitos, mas que sempre tento lembrar que como erram comigo, eu erro também. Sim, é fato. Enfim, que perdôo. Será?)

(É o que eu acredito! Melhor, é o que eu quero acreditar: eu sei perdoar. Erre comigo, não tem problema, que no final eu dou a outra face. Esqueço tão fácil o que me fazem de ruim, que pareço um idiota, ou Mirabeau no mínimo, não importa, tenho aval filosófico para ser assim: sou prenhe dessa moral aristocrática, a benção de Nietzsche. Em suma, tudo suporto, eu que sou largo, e nada devolvo. Apóstolo perdido, acho-me uma Damasco)

(A verdade do dito é parcial: sofro de fato do vício do costumeiro. Explico: o segredo da fórmula do meu sucesso é diretamente proporcional à distância do que foi tocado em mim. É meu bem, eu supero sim, como o mar que não se incomoda com quem ou que veleja em sua superfície)

(Para mim é fácil ser alheio. Filho de Plutão, misterioso não, sofro sim da reserva dos inseguros que acham que dominando mantém as coisas no controle. Gosto de mergulhar, mas que ninguém avance em braçadas no lago turvo daquilo que não quero ver descoberto. Não conheço fundo, mas sei que ele existe, e como bom mafioso que sou, é para lá que despacho o incômodo em se existir, assim me permanecendo assunto só meu)

(Por isso é fácil perdoar. É fácil dizer para você, total estranho, que tudo que você disse ou fez não é mais assunto do dia. Você mora em outro endereço e não faz ninho. Você é... você. Eu continuo sendo aquela idéia que você teve, aquela pessoa que você imaginou, ou simplesmente alguém que você não gosta. Isso me importa? De fato? Não. Insensível? Não... medo meu bem: porque quando você começa a fazer a real diferença, é aí que eu me complico)

(E foi devido a isso que, ao lavar meu cabelo, tive essa epifania que devia me devastar, mas me deixou mais que contente: eu não te perdoei! Não! Eu ainda penso no que aconteceu, no que foi dito, e o que esqueci eu invento e pinto com cores terríveis, carrego no drama, faço-me Dante e senhor dessa comédia que, para mim, reside toda ela nos círculos do inferno que tu, e só tu criaste. Não, não quero Virgílio, pois na verdade eu te vigio com meu olho-que-nada-vê e quero ser só para poder te despejar mais essa minha incompetência. Em suma, é conveniente ser vítima, porque assim eu tenho desculpa de ser, sim, eu. Tua culpa, tua máxima culpa e que suporte meus porquês. Não quero ver o teu desespero, não te imagino sequer capaz de sentir dor. Não conto os teus sim's, só os teus não's, e receba isso como punição, por ter ido tão longe e dentro e profundo naquilo que se convencionou chamar o melhor que há em mim)

(Eu não te perdoei, e fiz isso deliberadamente, porque diferente do que me aconteceu, tu foste medalhista: cruzaste a minha piscina no tempo recorde de 4 anos e 2 meses. Foste valente, desbravadora, Bartolomeu Bueno de mim mesmo. Com tuas pernas fortes e teus braços longos revolveste toda a sujeira do fundo, devolvendo-me certezas cristalinas, reflexo do sol. Fostes única, lugar mais alto no pódium. E como todo atleta nobre, te esquivaste dos teus méritos e dos elogios e tudo que vias era a necessidade de voltar aos treinos para que eu conhecesse cada vez mais o prazer de braçadas cada vez mais fortes)

(Eu não te perdoei, por tua verticalidade em mim. Tocaste onde ninguém tocou com a ponta dos teus pés descalços, sorrindo das cócegas que a lama que o meu fundo te provocava. Todavia, houve aquele tempo que a água ficou dura demais, e se transformou em gelo. O que fazer se o teu esporte é andar por dentro e não patinar sobre? Se tens essa decência de não pisar em solo alheio e não riscar o chão dos outros? Infelizmente, eu também não te perdoei por isso, e te culpei e te culpo até hoje. Eu não soube desculpar tua dignidade campeã e teus títulos nas provas que o meu capricho te submeteu. Fostes, e a mim me coube ver isso apenas como ensejo para reativar meus costumes de pântano)

(Nào tens meu perdão ainda, mas vais ter um dia quando o sol me evaporar e deixar exposto o sal daquilo que sou feito de fato. Entretanto, por enquanto veja nessa negativa o sinal dos teus méritos em mim: teu grande fôlego é parte do que quero sempre ser. Eu ainda te culpo, e se te desculpo é para parecer menos sendo um pouco mais. Tudo isso é fruto do teu absurdo em ter ido tão longe. Peço que aceite por agora o meu já pronto Obrigado. O resto Ceres há de prover em tempos de cheia do Nilo)

(Eu te amo, e por isso, eu não te perdôo. É a maneira escorpiana de dizer que não esqueci todo esse bem que me fizeste ao escolheres existir o tempo que foi junto a mim)


Quando vidi costui nel gran diserto,
"Miserere di me" gridai a lui,
"qual che tu sii, od ombra od omo certo"
Rispuosemi: "Non omo, omo già fui,"

Solvente Universal




(De uma coisa eu me orgulho, de justamente ter algo a dizer do que menos gosto em mim)

(Há quem goste de partilhar tudo. Há quem aposte que promiscuidade é só do sexo para dentro, da boca para fora é conversa. Um dos maiores erros que cometi foi ter confiado a quem não me fia aquilo que tenho de mais precioso: meu ontem. Lembro-me de ter sentado em bancos, mesas, de ter me encostado na parede para descansar da amargura do que vivi, e esvaziei esse cálice em ouvidos sujos da vontade de algo estranho. Fui leviano com o punhal cravado, e fazia dele varal para a roupa velha enquanto imaginava que assim o arrancava de mim. Confiei em ti, minha amiga, disse o que disse para ti meu amigo, e o que vi ser feito disso tudo? Fui assunto de boteco (como disse a grande escritora em gestação), fui intriga da opocontradição, ainda mais quando me vi no centro de oportunidades novas, e por mais que quisesse puxar todos para perto de mim, quanto mais quis dividir, mais vi a celeuma se instalar. RACCA: small talk com o dos outros é o teu refresco)

("Aqui se faz, aqui se paga" - Jó, que em inglês quer dizer "trabalho", que é diferente de "ocupação" do verbo, dar conta da vida alheia. Quem senão eu o responsável por isso tudo? Por isso tenho lá minha dificuldade em não gostar, apesar de experimentar descontentamento. Não digo o contrário de amar, porque em tempos difíceis todo palavrão é muito. Já há desgraça por demais solta pela Medina, ou Belfast, para quem já andou de trem. Digo que não aprovo, não concordo, mas desço na parada do Respeito, forma de homenagem aos mártires na guerra contra o ostracismo orientado por tudo que nos parece beau-EN-coup facile)

(Si amigo, mea culpa, mea maxima culpa. Mas isso não te dava o direito de fazer o que fez. A razão é só o outro nome do me-acho-certo. Se esqueci de sacrificar aos deuses do não-dito-apesar-de-bem-sentido, e de ser grato pela oportunidade de conhecer melhor o "gênero humano" [forma de categorização; onde se separa pelo sexo, sempre], tudo que vi, ouvi... e melhor, tudo que NÃO vi e NÃO ouvi foram-me tão instrutivos como tudo que se insere no retorno de Saturno, esse deus que sempre me espera na saída para me cobrar minha consumação. Não que esteja em pé de guerra com as mudanças, pelo contário, sou do partido das novas convicções, mas tenho lá meu direito a indagar dos "anéis e seus quilates" que a mão que me estapeia carrega)

(Por isso, a minha fração nisso tudo eu dejá deixo manifesto: eqüilibrar minha liquidez. Abertamente acho algumas ondas pós-modernas como a maquiagem de um dadaísmo totalmente desproposital. Todavia, devo assumir que me enamorei com algumas delas. Amor não se dosa, nem é servido em copo americano. Na verdade, tudo que daí vem é corrosivo, quando o assunto é sentimentos sinceros. Ok, assumo minha parte: falei e fiz demais. Disse do que sentia, comentei do que não entendia para vous [nova língua, novas regras: polidez ou, no nosso caso, desconhecimento] outros, senhores dos pedaços mal contados da minha vida. Fiz, e por isso, Jó. Todavia, está feito, resta agora confiar: enquanto escrevo, fico da minha janela a mirar o mar, esperando que passe a minha baleia)

(Isso é de mim. E de ti, o que esperar? Eu já falei e repito que dos outros só desejo o para além da conjugação: EU, a primeira pessoa, singular. A superação desses estados convencionais da linguagem deve vir acompanhada do desejo do correto: Se EU faço, e TU, o que fizeste? Meditação mes algo-próximo de amies é faca de dois legumes: tangerina sempre marca os dedos de quem a come. Vocês me deram o ensejo, que espero retribuir com suco da fruta. PARA vocês deixo muita coisa, a mais importante delas, minha sinceridade. Sei que não é muito quando se quer tudo e se espera tudo. Todavia, peço licença para a ingenuidade e sigo andando nesse ofício de Bartolomeu Bueno de mim mesmo. Certeza é que não paro, muito menos para chupar uma manga)

(Obrigado, obrigado e obrigado. Por tudo e por nada. Pelo ouvido e pela fofoca. Por me ensinar a cultuar o silêncio sem deixar de amar os dois dedos de prosa que o cotidiano nos pede. É no espírito da boa conversa que eu abro a porta de casa, que dá para a rua, diz Gilberto, lugar do público. Tanta coisa boa aí fora, tanto cheiro, tanto som e tanta rima que até me anima a verso novo. Eu nunca fui de ter caixa postal, mas acredito na individualidade. Quer falar? Fale! Quer reclamar? Reclame! Achou ruim? Que pena. Se isso ainda faz parte de ti, lembro-te que quem acompanha João-de-Barro vira ajudante de pedreiro. Já meu ofício é o de vos querer bem, sempre!)

(Erramos todos, vamos continuar errando. Machucar-se faz parte do contato com o "humano" [categorização; ser pensante, nada sinto]. Mas podemos começar a fazer diferente, n'est pas? Podíamos começar estudando a alteridade, outro nome para ali é o teu começo. Podíamos começar nos calando, espaço para o ouvido. Enfim, podemos infinidade de coisas boas. Das ruins? Eu já tenho o suficiente. Antes só do que do mal acompanhado. Continuo querendo teu bem)

("O amor cobre a multidão de pecados" - Jesus, que em latim é a receita do Solvente Universal: excelente dose de carinho, uma mão cheia de compreensão e otimismo a gosto. Continuo querendo o vosso bem, o de todos, sempre!)

(Quem pensa o contrário, que continue atirando as pedras. Quem diz "cobrir", não diz só "apagar", diz também "telhado")

(Voilá, c'est tout!)

[Carta Cubana]



Querida amiga.

Com o tempo aprendo a me contentar com pouco. Talvez a economia do que me falta ensinou-me a andar de cinto apertado, calça atada à altura do coração. Talvez seja a minha miopia que me proporciona essa alegria impressionista de ver traço largo em tela tua. De qualquer maneira fui assaltado por sentimentos contrários à história que nos contaram e que aprendemos a aceitar, sentença das fúrias. Vi-me novamente com aquela coragem dos incautos-com-coração, quase dormente de bem-te-querer, divagando alto na esperança de alguma musa-em-comum passar a limpo em letras escarlates, a cor do reconhecimento sincero, as palavras que invandiam o forte gelado que tranquei tudo que dizia respeito a qualquer coisa que teimasse em ser nós-dois.

Sabe amiga (digo assim, porque a regra culta manda: estrangeirismos), é bom acordar de longo sono, pois quem diz acorda diz estou de volta. Todavia, é difícil abrir mão de sonhos. Lembro que costumavas reclamar de minha preguiça, de ver-me deitado qual peixe cansado na rede quando tínhamos uma tarde toda que não conhecíamos lá fora a derrubar delícias do jambeiro, árvore do nosso bom pecado. Entretanto, não sabias tu que ao me trancar no quarto ao lado da biblioteca (fonte de nosso saber) eu estava tecendo lembranças, entrelaçando momentos e fiando tua ali-presença para que, em futuro sem paredes, eu pudesse ter onde me encostar e me abrigar do sol de meio dia de toda essa estupidez que algum idiota chama de "é a vida, fazer o que?".

Hoje possuo um manto que é a constelação da alegria que semeaste em meu infinito. Ele está velho e gasto, como aquela tua estrelinha azul, e como ela, ele hoje é também o testemunho brilhante da minha também imensurável tristeza. É amiga, sou triste como um personagem de Hemingway. Não sofro como na televisão, pois eu bem queria essas pausas para comerciais: sinto toda uma enciclopédia que pede constante revisões. O que nos passou é agora minha história clássica, tendo inclusive tons messiânicos: minha vida, triste ironia, se separa também em A.C. e D.C.

A pior dor, acho que já te disse isso, é a dor do não vivido. Não tem coisa pior que acordar em um tempo verbal que você não acha seu. Tudo o que resta na frase desse viver acaba sendo objeto do sujeito, que vira colecionador de momentos: não há predicados nem aqueles adjetivos que te fazem crer na redenção pela semântica. É tudo gramática de comportamento. "Não, você não pode"; "Não há mais nada o que se dizer"; "Fazer o que, é a vida!". Aos poucos você se torna um autômato e entra no frenesi da tabulação moderna, e assim vai vivendo, pouco fazendo-o-quê de concreto.

Apesar disso tudo, foi engraçado a maneira como eu me vi em tua vida agora: não que esperasse algum "Agradecimento", mas fiquei surpreso em ser nota de rodapé obrigatória. Nunca imaginei que seria grato à ABNT! Digo isso de coração, porque é bom saber que sou legenda de algo grande vindo de ti, mesmo que seja para constar oficialmente. Por isso, peço que permita este arrebate de ver meu nome inteiro, lembrado e em algo que seja de 2008!

Eu teria medo do exagero se não lembrasse a nossa leitura em comum: afinal, ambos devemos a ele a nossa profissão. Foi bom recordar isso tudo, das nossas conversas e conclusões, do nosso sociologismo recheado de humanismo juvenil, que tanto nos fez bem. Foi bom ver aquelas fotos de tantos anos atrás, onde nossa indignação se misturava ao lixo alheio, tesouro para tantos. Eu pensava que não lembrava mais disso. Na verdade, parte da minha programação neuro-linguística (outra palavra para "Coração, aquele embusteiro") foi negar tudo entre o A e o D do C. Para isso, deixei de ser várias coisas: voltei para o castelo da teoria, faço piada com minhas camisas vermelhas, nunca mais vi um filme, não leio nada que não seja antigo e clássico e fui no teatro porque minha mãe comprou os ingressos!

Confesso para ti que algo melhorei sim. Tenho ainda alguma vontade acadêmica, que na verdade uso como band-aid para o enfado que sinto de não ter com quem mais poder falar de tudo. Antes que você me sugira algo, juro que já tentei andar com aquela sacola transparente da Livraria da UnB, exibindo minha última aquisição do Joyce: não funciona amiga, infelizmente. Hoje sou como Ricardo III ou qualquer bom personagem inglês: vivo de monólogos. Ao risco de parecer prepotente, digo-te que quase morro desse tédio de encher prateleira vazia. Sinto falta do desafio, tanto que queria lembrar quem terminou com o IRA maior, eu ou você! Acho que foi você, muito por culpa de ter viajado naquele verão que fiquei aqui tendo que repetir IE enquanto você via o Axl Rose: não conseguia me concentrar procurando-te na TV e tentando lidar com toda aquela saudade avassaladora de mês e pouco que nos conhecíamos.

Em suma, estou alegre por ti e pelas notícias de tuas conquistas. E por isso, experimento o revesso do que vinha sentido, e me reconcilio, mesmo que sozinho, com todo esse passado maravilhoso que tenho como presente para um futuro que nos sei melhores. Não sei nem acho certo saber o que se passa das bandas de lá do jambeiro, todavia, TUDO o que li me deixou feliz. Sei-me também ainda prenhe de defeitos a serem gestados e paridos, mas isso não me impede de repelir o rancor e o seu hálito de conversa velha. Se viver é aprender, eu vivo para descobrir formas novas de te dizer todos os dias que não há maneira deu ser mais grato do que já sou. Da poesia a emails desaforados, entre lembranças e ameaças, algo teima, e esse algo é o obrigado que se carrega na boca, dono do coração.

Agradeço a lembrança e espero que ela tenha vindo da atmosfera do que bem fizemos: ajudar a construir o "sociólogo" um no outro. É sempre uma experiência muito boa para mim saber que você mantém seus ideiais bem erguidos, vela dessa embarcação que um dia ainda vai te levar a portos-mais-que-seguros.

No mais, sucesso

Do seu insistente

Amigo.

[Carta Inglesa]


Meu caro jovem.


Recebi sua carta na qual o medo da casa vazia se misturava com a certeza do que não sabes. Li cada linha de teu edifício do desejo de sempre entrevendo paredes descascadas, que apesar da tintura do momento, sangram ainda tijolos antigos.

Compadeço-me de tua alegria. Sei que neste momento cravas em mim o punhal de aço novo e me atiras as notícias do dia. Mas como compactuar com a euforia? Não há elegância na incoerência, nem mesmo retidão no receio. Falas-me de tempos modernos, mas vejo-te encastelado em antigos horrores, vivendo em costumes de planície, apesar de te achares bandeira fincada em algum daqueles altos montes da Indochina. Dizes-me que tudo mudou, mas por mais que estejamos a viver em dias de caprichos, consiguiras adicionar um covado à tua estatura com o eloqüência melíflua da tua conversa? Por isso, peço-te que me permita minha tristeza em te veres assim, tão a braços dados com toda essa literatura do continente. O métier de amigo tem escritório na Rua da Razão, com números: quantas vezes já te vi assim, quantas vezes disseste-me "ah, desta vez...", e quantas vezes recebi logo em seguida a missiva ligeira dos de coração partido? Diminuis-me quando me creditas o ofício de recolhedor de cacos em peito e ao mesmo tempo me negas acesso ao teu ouvido, que eu mal te lembre, é orifício-túnel da cabeça.

Por todas as vias possíveis e imaginadas (principalmente estas) colocaste em prática o teu velho plano novo de conseguires o que ninguém quer de fato. Se vivêssemos de aparências, bastava a vida ser um quadro exposto no museu do universo, cabendo a Deus o papel de dândi balzaquiano. A tua Paris não merece os habitantes que tem, tu bem o sabes. Mas mesmo assim, fazes da rotina teu percurso. Demoras-te em manias de outrora, e mesmo assim esperas que algo de bom te aconteça, como ator do Opera que ansiosamente depende da escrita alheia. Auto-ostracismo é o charme de tua preguiça, e eu, preso que estou em antigos conluios, lembro-te a latitude de outra poesia que nos informa que, para se viver, há de se acostumar com as pancadas!

Desculpai-me, meu caro, pelas ferroadas desta pena, mas certo é que afeto se mistura em tinta, mesmo naquela menos provida da cor do incentivo. Não podia ser diferente: eu vivo em ilha, e sou vítima do positivismo dos grandes pescadores. Os grandes feitos são construídos, e não meros acontecimentos. A rede é mais cômoda que a vara, mas é na solidão da conquista que se dá valor ao que até então não se tinha. Para mim, não vejo isso de se perder para se ganhar, mas sim, de se trabalhar para se ter. Dignidade diluída é medo de assumir a responsabilidade que a grandeza trás consigo.

Por isso, remeto junto a esta não a minha benção, mas o meu senão. Segues cego. Não adianta preencheres teus buracos com boas intenções. Reconheceres o que não és é o projeto do que gostarias que fosses. Cada coisa ao seu tempo, e sempre há tempo para cada coisa. Permita-te a reflexão e aproveites os momentos para decorar teus vazios, ausentando-te da pressa que o susto da falta nos causa.

Deixo-te minha vontade do teu melhor, e espero um dia não precisar mais ser esse teu amigo. Digo isso não pelo aborrecimento, mas sim pelo prazer de tua plenitude. Espero que essa economia de selos ocasionada pela falta do aborrecido contribuam para a poupança do que um dia virá a ser a riqueza do em ti duradouro.


Daquele que se orgulha de poder ser o seu
Grande Amigo.


Ps: Estamos te aguardando. Traga sol, para combater janeiro.

BEYOND the (Fe)Male


(Vejam o último vídeo de cima para baixo, no lado esquerdo, junto com esta letra: é a música)

And SEX was always there from when I was only eight years - tempting me leave thirsty
Sweat, skin, a PULSE divine to balance this restless MIND - it seemed so wonderfully physical
Oh the BLOOD, the lust, the bodies that color the world: all drugs to die for! Won't you share my fire?
How can LOVE make that world a minefield of forbidden GROUND?
A map of untouchable skin and SILENCED desire?

And love was there in vain, PROFOUND and deep but traced with pain - too early for a child of TEN
Loving the pure and sane he sought the goddess unstained - watching them turn to flesh again
HUNGRY for both the PURITY and SIN
Life seemed to him merely like a GALLERY of how to be
And he was always much more HUMAN than he wished to be
But there is a LOGIC to his world, if they could only see

Wishing - Sickened - Ill - Ticking

SOMEONE still this hunger (it's in my blood) always growing stronger (ticking)
BUDAPEST I'm learning, Budapest you're burning me

This is not who I wanted to be, this is not what I wanted to see
She's so young so why don't I feel free now that she is here under me?

Naked - Touching - Soft - Clutching

And then after all it lead me here to wake up again
Seeking a love that might make me feel free in myself but then it proves to be
Something that hurts inside when we touch, so I move on, I lose my way
Astray I'm trying too much to feel unchained, to burn out this sense of feeling cold
And every day I seek my prey: someone to taste and to hold
I feel alive during the split second when they smile and meet my eyes
But I could cry 'cause I feel broken inside!
COME and DROWN with me- the UNDERTOW will sweep us away!
And you will see that I'm ADDICTED to my HONESTY
Trust! 'Cause after all my sense of TRUTH once brought me here
But I've LOST control and I don't know if I am true to my soul
I've lost CONTROL and I don't know if I am true to my soul
Losing control and I don't know if I am TRUE AT ALL

And we were always much more human than we wished to be...
And I remember when you said you've been UNDER him - I was suprised to feel such pain
And all those years of being faithful to YOU despite the hunger flowing through my veins
And I have always tried to calm things down - SWALLOW down swallow down
"It's just another small THORN in my crown"
But suddenly one day there was too much blood in my eyes, and I had to take this WALK down
REMEDY LANE of whens and whys...

Empty - Licking - Clean - Choking

SOMEONE still this hunger (possessing my mind) always growing stronger (craving)
BUDAPEST I'm learning, Budapest I'm burning me
This is not who I wanted to be, this is not what I wanted to see
She's so young so why I don't feel free now that she's under me?
In the morning she's going away in a Budapest taxi I've paid
Seeking freedom I touched the untouched - it's too much - I'm BEYOND THE PALE...

Prematurity is the story of both you and me, and we were always much more human than we wished to be
Prematurity is truly the story of both you and me, and we were always much more human than we wished to be
We were always much more human than we wished to be - we were always much more human than we wished to be
We will always be more human then we wish to be

WE WILL ALWAYS BE SO MUCH MORE HUMAN THAN WE WISH TO BE...

Pain of Salvation - Beyond the Pale.
(Foto:
O Filho de Plutão e a sua senhora, a ave teimosa)