Eros? Psique!


(Uma das partes do ministério do virar gente grande é a pasta do entender os clichês psicológicos que subjazem nessa baguncinha que se convencionou chamar eu. Um livro que lês, um filme que vês ou o amigo[a] que chora as mágoas do [des]amor perdido passam a ser para ti uma fonte inesgotável de reflexões: padeço eu, também?)

(Começa assim o labor do susto de si, que depois evolui para uma abordagem mais complexa de si mesmo. As associações ficam mais interessantes, e os bois ganham não só nome, mas lugar no espaço-tempo de tua vida. Pasma-te descobrir que aquela tua mania odiosa, que tanto te faz sentir-te mal e incompleto[a], na verdade está ligada ao brinquedo que teu irmão quebrou, ou ao peito que tua mãe não te ofereceu. É estranho ver que aquilo que acabou, acabou antes mesmo de começar, porque esse fim vivia em ti, em forma de pequenos detonadores que tu mesmo fazia questão de acionar todos os dias para te punir por aquela nota que tiraste na 3a série, ou por aquele campeonato de futebol que tu perdeste o penalti aos 45 do segundo tempo!)

(É impressionante o quanto possuímos destes pequeninos e corrosivos seres a habitar o terreno fértil de nossa [in]consciência. Ninguém gosta de problemas, todos se querem ver livres deles. Mas, os remédios nem sempre estão de acordo com o mal em si. Do terreiro à tarja-preta, da conversa ao laissez-faire do já passou, existem inúmeras nuances que exigem aproximações gradativas e seletas. Na verdade, o que quero dizer é que brasileiro tem mania de achar que tudo se resolve ou com dinheiro, ou com reza. Tá certo que Jung foi um puto, Freud mais ainda. Mas tudo que eles ensinaram ainda é válido: se foges da auto-análise, da carne crua exposta de tua psique [palavra grega, lembro], condenas-te livremente a vestir a toga de Sísifo, e ao ofício de loop daquilo que te prometeste nunca mais viver. Conversa de ágora, tua vida fica resumida assim:)


COMEÇO DO ATO

Cena: Tu és teus maiores temores.

Herói: "Tenho medo"
Parcas (rindo): ...
Coro: "Eis que a Hélade hoje chora"
Herói (ainda com medo): Quem canta?
Psique: "Não me chamo sereia, falo apenas".
Coro (tampando os ouvidos e apontando o céu): "Caprichos do Olimpo"
Herói (mostrando um saco dinheiro às Parcas): "Comprem a melhor solução que encontrarem"
Parcas (saindo): ...
Psique: "Continuarei aqui"

FIM DO ATO
Caso teimosia => LOOP mode = [ON]


(Meu amigo, meu herói, quer o sentido de coragem? Enfrentar-se. O de vitória? Vencer-se. O de superação? Acordar melhor do que ontem. Ninguém perde o que não tem, não é isso que está escrito na porta do banheiro do petit-bar que tua enorme dor costuma ir nadar? Mas e quanto ao teu sacrifício aos deuses do melhor em si? Ou preferes gastar tuas dracmas nas portas do templo do todo-poderoso-Lamuriar-do-que-deixou-de-ser? Escolha tua. Certo é que Psique não dorme, e quanto tu pensas que ela te esqueceu, eis que ela aparece no meio do teu sonho, em que te vês abraçado a serpentes e outras criaturas que sugam teu sangue, fino. Acordas suado, e teu grito no escuro é o testemunho do que vens fazendo de tua obrigação de encarar o espelho sem aço da necessidade em se ser melhor)

(Nós não conhecemos outro recurso melhor para exorcizar fantasmas do que mudar a ração deles: só lobos caem em armadilhas para lobos. Sejamos repasto para fomes outras, alegres e saudáveis, que nos caem em bocadas amigas, anseios de coração. Mas antes do lábio, o olho: instrospectivo, penetrante, Ísis-deusa-mulher em nós, curando e ensinando. Só assim nos livramos dos clichês, que em bom português quer dizer "mania de carangueijo". Desculpe a mãe, o pai e o irmão. Desculpe o pé torto, que chutou a bola para fora mas te carregou até aqui. Por fim, desculpe tudo que passou pelo bem do tudo que virá. Sem [auto]perdão, meu querido filho de Éolo, a montanha é mais alta ainda)

(Com isso, Psique torna-se eterna amiga. Noite vira tempo de dormir bem, tranquilo e abraçado com a certeza do melhor presente)

Vês o palácio dele; o rei está lá dentro;
à tua frente está sua mulher e mãe
dos filhos dele. Eis a resposta, forasteiro.

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