Dance Day.



Por que?

Porque eu acho que relacionamentos são meio filme cafona: começam do jeito errado, no meio você quer que dê certo ao mesmo tempo que acha que vai terminar uma merda, e no final, sem perceber, contagiou o salão inteiro sem precisar beijar a mocinha.

Feliz dia dos relacionamentos para você, seja com quem e como for.

Stage Door


de todas as coisas que não estamos preparados a maior é a de assistir o espetáculo onde aquela pessoa que protagoniza os melhor daquilo que nem sabíamos o que era se transforma em tudo aquilo que nunca pensamos fosse. findo o ato, caído o pano de ísis e descoberto o rosto sério da deusa, ficamos ali meio que procurando uma pedra para sentar em cima. filósofos da última hora, abrimos e fechamos os bares ao redor do já-te-disse-acabou na progressão monocórdica de mesma pergunta de sempre: por que? 

o engraçado disso é que você e eu sempre nos achamos platéia. comassim? explico: achamos que tudo que aconteceu foi um monólogo encenado por ela, essa-pessoa, e que a nós coube o papel de criatura ouvinte, nada versada no teatro dos relacionamentos, que se senta meio de banda na cadeira com um olho na porta e meio ouvido na ladainha da dita-cuja. a cada susto que lembramos, a cada palavra áspera, e até mesmo cada gota de suor do olho cansado do sempre-a-mesma-coisa, pensamos tudo fazer parte da arte de quem nos colocou ali como vítimas-sentadas de um roteiro bem elaborado pelo Sr. Destino para ela, tua atriz.

é quando cai o pano. e aí meia volta em todo mundo e foste à procura de algum camarim. e no caminho tens teu primeiro susto de Walter Murray: teu nome na porta, junto ao dela. entras e vês que pendurado em um canto estão teus casacos surrados e todas as surras que deste nela, entre cabides e anotações carinhosas para despistar os gerdarmes. teus chapéus e tua cabeça oca estão dentro de uma caixa junto com as lingeries e as auto-promessas dela de que dias melhores virão. tuas calças, sim porque apesar de tudo te dizem homem, estão ali, entre os vestidos, entre as coxas invisíveis de quem se abriu mil vez mil em intimidades, sussurros e gemidos e arranhões, que é como a pele diz que ama, para ti. andando um pouco mais, tu vês que em cima da mesa dela, o único lugar dela em meio à bagunça e à mistura dos-que-eram-dois, ela guarda a lembrança de te assistir dormir e a lágrima que derramou quando te deu aquele primeiro beijo. 

a cabeça fica em chamas. comassim? explico: quem estava sentado derrepente é posto de pé. e não bastando isso, é educamente conduzido para fora do recinto. à porta vomita-se impropérios, ameaças balzaquianas: iremos aos jornais; mancharemos teu nome; perseguiremos-te com toda a força de nossa ignorância. e assim fazemos. queimamos o óleo da meia-noite consumidos na cegueira que achamos ser do momento-culpa-dela. oscilamos entre a passividade patética do mea maxima culpa e a postura agressiva-frustrada de repetente pra quem tudo é motivo para tentar agredir quem cometeu o crime de passar de ano e seguiu em frente. nunca um meio termo, nunca um senão, nunca um pare-para-pensar. tudo é dor quando todo odor que queremos sentir é o da carne podre, cadáver zaratustriano que arrastamos em orgulhosa pose maquiavélica. 

passa o tempo, passa bem de-va-ga-ri-nh-o o tempo. cada segundo tic-é uma lembrança-tac do relógio que registra a lentidão de tua burrice de autor da província de sempre-esteve-longe. acreditas então ser toda a humildade ir tu ao palco, chorar as lágrimas de ex-crocodilo. entranto, uma vez fera não se perde a bestialidade: ao primeiro sinal de dúvida dela, gritas e faz dos pulmões veículos para loucura, que é justamente o amante que a convenceu a ir para qualquer-lugar-longe-de-ti. novamente te convidam para fora, desta vez com o aviso de que-não-se-volte-mais-fazendo-o-favor.

passa o tempo, passa rápido. desta vez tua mente tem todo o tempo do mundo para se encher de novos e velhos clichés. pouco a pouco viras repasto das teorias que teu orgulho repele, pois aceitas tudo menos ser tido como o-pobre-doente. louco sim, estúpido sim, inconsequente também... mas doente são os outros, inclusive ela, porque só assim alguém ia querer te deixar. e aí é quando aposentas a pena e viras colecionador sinistro. ao fundo do teu escritório passa a existir uma ante-câmera secreta, a qual a senha para entrar é o nome de uma das esposas de uns dos amigos de Byron. lá dentro tudo é escuro. jarros e mais jarros de lembranças boas e ruins se amontoam desorganizadas entre garrafas de rum e outros tônicos da alma culpada. porém, ao fundo e de maneira assustadoramente metódica se encontra o agora-trabalho-da-tua-vida: amontoados os corpos das tuas amantes-de-depois-dela, cada uma a faltar um pedaço. em cima da tua mesa, e costurado com as linhas de tuas projeções e idealismos, ela, a tua-pessoa feita de retalhos e enxertos das outras-que-não-eram-toda-ela. monstro-da-ausência, constructo da culpa, que em lugar do peito tem um buraco, a sempre-faltar um coração.

de autor à dor, o caminho foi traçado pela mecânica de mão indolente e violenta. assumir isso é o primeiro passo para recuperar a alegria de viver em qualquer lugar que seja presente. o segundo é afastar a culpa que te faz andar de joelhos e aprender a ficar de pé para ter a coragem de olhar tudo que houve nos olhos. terceiro, assumir que o-que-era é agora um problema, sério. a solução dele? silêncio. não do silêncio omisso, mas o silêncio ativo que é o começo do rio que desemboca no mar do sinceramente-me-perdoe. aliado a isso uma boa dose de conversa especializada com gente especializada, pois apesar de tuas voltas, tu continuas doente. reconhecer isso é imolar o teu orgulho, que por sinal, foi a mão que assinou a tua sentença de morrer longe, como cachorro. 

o resto é com o tempo. à primeira oportunidade que tiver, caso saiba que ela vai se apresentar em algum musical novo juntamente com algum novo-a(u)tor, peça teu emprego de volta no jornal, e faça como todo bom crítico: não vá ver a peça mas elogie! sim, não vá porque tu ainda és persona non grata, facie tudo que foi feito, mas mesmo assim aproveite para dizer que ela estava sensacional; primorosa; linda em seus trajes de sorrisos. farás teu trabalho ao mesmo tempo que ninguém pode te acusar de faltar com a verdade, não é mesmo?

agora é sempre o momento para se deixar de lado a prosa e se falar do coração, já que a literatura anda tão cheia de hearsay's metafóricos: ser bom com frases não faz ninguém mestre das entre-linhas. perdoar e pedir perdão quer dizer perdoar e pedir perdão, duas coisas separadas e totalmente independentes, e que, dizem, curam muita cardiopatia. peçamos perdão, por tudo. por cada gesto impensado e por cada mancha de sal em estrelas azuis. essa-pessoa continua e sempre vai ser a maior educadora que se pode ter em vida. pensar nela deve fazer o dia ficar melhor, acompanhar o seu progresso é a forma que se tem de todos os dias de dizer o silencioso muitíssimo-obrigado-por-tudo-que-tu-me-deixaste.

no mais no mais, seja feliz, pois tanto o errado quanto o certo merecem.


(fim do ato)