shhhhhhh!!!!!




você é a primeira pessoa que eu não preciso dizer que gosto, então, eu prometo solenemente que da minha boca você nunca vai ouvir nada que vá alimentar mais ainda essa tua arrogância de menina que me colocou uma coleira.

eu prometo que - longe de mim! - eu não vou ficar lembrando de sorrisos, da mordida que dei no teu sorvete, nem da alegria que eu vou sentir no dia que vou te processar perante o tribunal por todo refrigerante e pizza que te paguei só pra ocupar tua boca com coisa que te fizesse parar com esse teu ritual católico de me beijar o corpo de santo em tua parede.

eu prometo, bandida, que nunca vai saber de mim o tanto que penso em ti, que penso tanto que me pego pensando em pensar em ti só para ter um jeito diferente de te pensar, este com método.

prometo que morro antes de te contar o prazer imenso de não fazer nada contigo, de te colocar no banco do passageiro, e te carregar como se fosse o presente de algum rei antigo para outro rei velho que mora do outro lado do oceano: hoje em dia, encaro cada quebra-mola, cada curva da vida como uma dessas ondas de Netuno, e passo devagar porque tenho pra mim, que tirando teu sutiã, todo teu resto é de louça.

eu juro com os pés juntos que vou me apartar do mundo antes de você saber que hoje em dia meu quarto está sempre com a persiana aberta, que deixei o ofício de colecionar sombra por tua causa. que durmo tranquilo tão logo coloco a cabeça no travesseiro, e que sinto teu cheiro todo o dia quando sonho, e quando não sonho, é porque estou acordado pensando em ti.

você não imagina, e nem tem mesmo como saber, porque não vou te contar, o quanto mais feliz já me faz. acordo todos os dias para viver a mesma rotina, escuto as mesmas músicas, visto a mesma roupa, calço o mesmo sapato, leio o mesmo livro. isso tudo é porque ando tão distraído que nem me importo se a roupa tá suja, o sapato desamarrado ou que deabos aconteceu com o personagem, porque minha vida é mais importante que a dele, porque eu tenho você, já ele, ele mora em papel.

eu cumpro o que prometo, e nunca vou te dizer nada disso. poderia até dizer muito mais do que nunca vou te dizer, por exemplo, da preguiça que tenho das outras meninas, do prazer e orgulho que tenho de te apresentar para todo mundo que significa algo para mim. da satisfação que é poder ver a tua doçura conquistando adeptos, e dos tapas no ombro e os apertos de mão que recebo dos outros meninos "pô velho, mandou bem hem?"

oxalá eu morra antes deu te contar algo assim. imagina se, deus é minha testemunha, logo pra ti eu vou dizer do imenso carinho que me brota só de pensar no teu jeito sereno, na tua enorme e doce amizade que me mareja os olhos de tão expontânea, sincera e presente, tão presente a ponto de ter colocado uma pá de cal em cima de todo meu ceticismo e me fazer deixar essa conversa de sexo oposto a mim....

então dado o exposto, eu te peço desculpas, mas não... não tem como eu te dizer nada disso.

motivo? ok:

você já me dá muito trabalho, já me beija demais, já me ama demais, já me fala demais todos os dias o quanto sou importante, bonito, importante, bonito, importante e bonito. se estou de chinelo e bermuda, estou lindo. eu tiro a roupa? "seu corpo é lindo". visto ela de novo, vou pra rua "adoro nossos programas". volto pra casa? "adoro fazer nada com você". ligo o videogame, joga comigo, desligo, você se desliga e deita no meu peito, e me dorme, e me baba, e acorda rindo, pedindo desculpas por algo que imagina que fez de errado, porque ao contrário da vida, você deixa pra fazer tudo errado quando está dormindo, porque acordada, faz da minha vida um sonho.

então, e tendo em vista a nossa saúde (coração é músculo filha, não é esse chiclete que a gente compra depois do sorvete, que a gente estica e joga um no outro, como mais um item das nossas brincadeiras nojentas) eu prometo que não vou te dizer nada disso. quero sinceramente continuar vivendo contigo, e não acordar um dia morto porque meu peito explodiu por falta de capacidade de armazenamento de beijinhos, cosquinhas, piadas infames e noites deliciosas contigo. tenho que preservar-me, e a você também. acredito que vá entender.

era isso. agradeço sua compreensão, e peço licença apenas para o último não-dito: amo, muitas vezes em silêncio e em olhares furtivos de admiração profunda, você.

shhhhhh!!!


"cuidado para não gritar a sua felicidade: infelizmente, a inveja tem sono leve"

Pedro Ayres





























algum tempinho se passou desde que mandei a última notícia. dizem que a vida é o que acontece entre os silêncios: o choro de entrada aqui é o início do barulho, e a morte, o óbvio último acorde. todo o resto é zoada.

claro que eu me cobro alguma satisfação, mas tem momentos que a palavra é prata, segundo lugar no podium, e o ouro vai para quem te encontra na rua e te responde com um "eu? ah... vai tudo na mesma": risinho acanhado, mãos no bolso, e um sorriso triunfal escondido na falsa-modéstia de quem finalmente saiu debaixo da chuva.

claro também que todo dia cobram de mim alguma satisfação: os convites à prática do descaso por quem te guindou à altura de companheiro chovem. para alguns você é besta, sem graça, um rei vestido, sem nada a acrescentar, nem mesmo uma leve fofoquinha. para outros é motivo de comentários dessa gente que exercita criatividade falando do que não sabe. sobram no fim alguns poucos que vibram contigo, e até mesmo te surpreendem te imitando naquilo que você tem de mais chato e tedioso.

por isso, até mesmo escrever está difícil. vou te dizer o que? que tá tudo bem? posso até colocar um adjetivo: está tudo INCRIVELMENTE bem, ou está tudo ESTRANHAMENTE bem, mas isso eu faria mais para te fazer um agrado de alcova do que dizer a verdade. incrível por que? estranho por que? eu lutei e luto a vida toda para isso: sinônimo de vitória pra mim é saber que procuro viver a exata medida de tudo que sei posso ser, sem buscar ser demais, nem me contentar com o de menos. a balança está entre o orgulho e o medo, a temeridade e o receio.

quem aqui verdadeiramente gosta de todos os dias ser obrigado a ser esse "ator social" que os seus arredores exigem que ele (a) seja? quem aqui não chega em casa e sente um cansaço sei lá de onde veio, um descontentamento surdo e insípido, que nem mesmo o gosto de boca-alheia consegue colorir? poisé... ninguém... e todo mundo: gosta porque tem preguiça de sair dessa, ou finge que gosta, ou se diz que gosta todos os dias na frente do espelho, quando chega do circo, maquiagem borrada, e vai tirar a crosta de qualquer coisa que se pintou com álcool e chôro baixinho.

a distância vai crescendo, crescendo, crescendo, até ficar aparentemente insuperável. aparente porque eu acho que não devemos desistir nunca de ser alguém para alguém, mas isso não te coloca na posição colonial de boi-de-engenho, canga pesada no pescoço, arrastando quem quer cochilar. é natural encontrar, como também é desencontrar. deixar ir é talvez uma das maiores virtudes que se aprende na vida: vai filha (o), pega o beco. sim, desapego não é apanágio do descaso, todavia, camarão que dorme, a onda leva, não eu.

por isso, não estranhe esse espaço entre-missivas. eu cada vez mais me torno um desses sujeitinhos de óculos e camisa passada, casaco poído, alpercata, e jornal debaixo do braço num sábado de manhã cedo de quem não conhece sexta-feira até mais tarde. minha luta diária é para adotar a religião do tédio do "cidadão pacato", essa gente grís que você não quer ver nem pintada de cinza-lábio-sem-batom, sabe, de passear com o cocker debaixo do bloco, de dar bom-dia pra tua mãe, perguntar como vai você (apesar de saber que você está em casa dormindo) e mandar aquele abraço. volto pra casa, ligo no treino da corrida, leio o jornal e... ganho um beijo de alguém tão chata e cafona como eu.

era isso. desculpe se de alguma forma eu te frustei com o dito, mas sei que com o não-dito você faz as tuas notícias e continua no teu ofício. peço licença agora para ir, que amanhã acordo cedo, em tempo de tomar café, dar nó na gravata e voltar para sina: fique bem você também!

"Nada mais havia de distintivo sobre estas duas classes além do que já observei.
Seus trajes pertenciam àquela espécie adequadamente rotulada de decente.
Eram, sem dúvida, fidalgos, comerciantes, procuradores, negociantes, agiotas –
os Eupátridas e os lugares-comuns da sociedade, - homens ociosos e homens atarefados
com assuntos particulares, dirigindo negócios de sua própria responsabilidade.
Não excitaram muito minha atenção".

+você, -eu



eu estou há exatos muitos minutos sentado aqui encarando essa parede branca só para descobrir que a coisa mais difícil do mundo é inventar babado para essa saia de pano de costura simples. o barroco é realmente ofício para enfeitar o buraco da bala, reboco artesanal em parede roída pelo desafeto da desavizada: não tem como molhar o bico da pena na tinta que me vai por dentro agora e esperar sangrar outras daquelas mil baboseiras que carpi com rima e método. acho que tua primeira contribuição é desarrumar minha auto-comiseração.

estou há alguns anos andando por cima de um chão de livros, manchando as páginas com a lama dos dias que antecederam a invenção da matemágica, procurando no escaninho das almas uma porção de sujeira, uma mesquinharia, uma promessa não cumprida que me desse aquele alento de desgraça pouca é bobagem, que me fizesse ansiar por cometer todos os crimes, assim conquistando a paz, o gozo de poder deitar sob as telhas do meu chiqueiro, abrigo do sol.

e eis que conquistei a alegria dos de focinho curto: tornei-me o rei da floresta! a sujeira endureceu e me deu a tez corada dos sem-vergonhas e um cheirinho gostoso de cinismo e pura imbecilidade. ria, ria o sorriso largo dos desdentados que não sentem o odor acre do próprio hálito. tinha um só pudor: o de guardar o cetro dentro da calça, que afinal... eu devia respeitar algumas convenções.

então, para tornar longa a curta história do curto, eu era a besta, a fera. alvejado? sim. ferido? sim? morto? não, mas fazia questão de enfiar o dedo no buraco, e o orgulho ferido que vazava eu usava pra escrever mil nomes nas mil paredes que me esfreguei: andando por aí, eu nunca me perco. era formiga, ou coisa pior.

agora vamos virar a página.

você apareceu. eu tinha visto, melhor, eu tinha ouvido alguma conversa de jaula aberta, dessas que os filmes retratam, que o aparecimento de um grande amor funciona como a sulfa em ferida da segunda-guerra: estou redimido! aparei o pêlo e pela primeira vez em tempos bebi água na tigelinha. de resto, fiquei ali catolicamente parado, esperando a minha nuvem.

não veio. mandei telegrama pro céu, cutuquei o anjo com vara curta, e recebi de retorno uma bofetada, dentro do templo, que me jogou em cima da minha banca de antigos negócios: eu ainda era acionista majoritário no mercado do açougue, e não era porque estava de dieta que isso me habilitava a descobrir a cabeça. fiz isso, e levei no cocoruto.

oscilei. e no oscilar eu enjoei, e enjoando a gente vai vomitando quem comeu. fiquei um tempo assim, com um lencinho na mão, sendo obrigado a recusar as delícias de hoje por conta da bile de ontem que me fermentava as entranhas. depois de um tempo, melhorei, mas o feito estava estragado: agora eu tinha que me comportar.

foi aí que eu virei a página, de novo.

você reapareceu. e aí entendi que você não era um anjo, ou uma nuvem ou um guindaste para me tirar da pocilga: você era a chance. não era uma princesa ou uma senhora de mil feitos, ou mesmo um príncipe dentro da tua armadura de seios fartos e lindo sorriso. você era como aquele ideograma chinês, com o qual eles escrevem "oportunidade". você não tinha espada, você nem mesmo consegue escapar de mim quando eu te prendo nas pernas e te puno com cosquinhas todas as tuas malcriações do dia. você não tem escudo, até mesmo que o teu peito é como o dia que vai começar amanhã, onde nada está, mas tudo pode ser escrito. você não é: simples, não é, e não era mesmo para ser. o cuidado e o trabalho estão comigo.

eu que tive e tenho que ser alguém para poder viver você, a chance. não aproveitando a oportunidade, ela passa, e com ela você. ajudar-me a entender isso é a tua segunda contribuição pra mim. por isso, não se cobre, não se culpe, não espere, não antecipe: você é uma letra escrita, já está, é. eu sou por fazer, por construir, por viver. por querer, vou atrás, e na frente vai você, sorrindo e fazendo piada das minha chatices, enquanto solta esse perfume de planta (que não é bicho), amiga do sol.

era isso que queria te dizer. como disse lá em cima, não tem como fazer floreio com tinta fresca. você é como um função, equação ou fórmula muito bem resolvida: linda + linda = cada vez mais linda. eu cada vez + me sinto + feliz de poder ⁄ a % da vida (que antes de você era ∅) que me cabe contigo.

obrigado por tudo, obrigado por ter me ajudado a pular de reino na natureza, e principalmente, obrigado por ter introduzido o cálculo racional e o senso da importância do agora, na minha vida. vou te ser ∞ grato.