O Problema “Bergner-Simonds”.

(Foto: Minha-sem-mim: A caminho do saber. Paris)

Todo cientista social que um dia na vida tomou uma cerveja já esbarrou, entre copos e corpos, com alguém de área outra que, seja em tom piedoso ou sarcástico, levantou o velho-ainda presente problema da “objetividade das ciências sociais”. Para a grande maioria do respeitável público, somos os pobres indigentes da cientificidade já devidamente assentada. “A crise é nossa sina”, choraminga alguém neste momento nos portões da EHESS, enquanto ouve as palavras de conforto do seu amigo de jaleco.

Inegável que existem até hoje problemas e gaguejos quando o assunto são os “motivos” (ou diria um amante dos clássicos, o “sentido”) para a produção de conhecimento nas ciências sociais. E o cerne de toda confusão reside na dificuldade em se esperar que meia dúzia de indivíduos, que mesmo por terem meia dúzia de diplomas louváveis em meia dúzia de dignas instituições ocidentais, digam para mais de meia dúzia de bilhões de pessoas qual o motivo que pensamos tanto, ou dizendo em termos acadêmicos, qual a relação entre o pensamento humano e a existência humana. “Chamem os filósofos”, em algum momento alguém grita. Eu concordo, mas infelizmente, eles não têm linha direta, e quando apertados, costumam entrar em ano sabático.

É conosco, então, tentemos: a falta de acordo entre os teóricos parece ser uma falta de acordo entre as teorias, quando no fundo, não é. Por incrível que pareça, estamos (diriam os instrumentalistas, como Kuhn) todos inseridos no mesmo paradigma científico, buscando os mesmos dados que justifiquem os nossos modelos, etc. A crise da ciências sociais é fruto da mania de olhar sempre para o mesmo umbigo: apresentar alternativas é a pior heresia que se comete. O amigo da outra área vai me dizer que isso acontece com qualquer um-enquanto-pessoa-de-ciência. Claro! Mas nós das sociais temos maior resistência e até menor contato com “fatos” que “derrubam” visões de mundo. Na verdade, há escolas nossas para negar os fatos, para diminuí-los, para chamá-los de nomes feios e pomposos. Se alguma coisa acontece, chamam “ocorrência”. Se se repete “coincidência”, e se ela teima até não poder mais, encerram-na na categoria de “particular” e ninguém fala mais nisso. Acredite meu amigo, não existe mais espaço para nada que comece com U e termine com NIVERSAL nas ciências sociais. Novamente, alguém tente chamar os filósofos.

A raça mais injustiçada, mal copiada, mal lida e mais mal passada a limpo no planeta das idéias são os pós-modernos. Virou moda desconstruir. Ninguém sabe por que, mas é como o Raul Seixas disse “é moda, vou reclamar também”. As ciências sociais contemporâneas estão apenas passando a bola para frente. O melhor sentido é não ter sentido algum. Viva a apatia! Se isso tudo não é eufemismo para “preguiça”, eu não sei então o que se passa.

E em momentos confusos como o que vivemos, onde temos a prova de que o excesso também poluí, que todo mundo se volta para as “ciências das sociedades” com a pergunta “O que vamos fazer com tudo isso que acumulamos?”. E é em momentos confusos como este que as ciências sociais nos mostram, com um sorriso amarelo, os braços engessados. O pior é que têm gente que ainda assina em cima de toda essa incompetência.

A imobilidade se dá pelo dilema que podemos chamar “Bergner-Simonds”. Jeff Bergner dizia que a sociologia do conhecimento (a quem essas perguntas na verdade são endereçadas) “põe entre parênteses” a possibilidade do conhecer, não se envolvendo em especulações de caráter epistemológico. Assim, ela negaria o “conhecimento essencial”, ideal esse que seria excluído da busca da ciência moderna. Para esse autor, a sociologia do conhecimento ilustra a principal falha da ciência contemporânea como um todo, a dizer, a incapacidade para atingir “verdades científicas”.

Já Simonds se coloca em campo oposto. Dirá ele: “A sociologia do conhecimento tem de considerar-se não como um domínio especial ou uma subdisciplina, mas como um direito de propriedade em relação à natureza própria da ciência social” [grifos meus]. A sociologia do conhecimento desempenharia dessa forma um “papel positivo” frente às ciências (no caso, as sociais) por definir a tarefa essencialmente hermenêutica dessa disciplina.

Para um, a sociologia manifesta o “mal-estar da ciência moderna”, em sua recusa (ou abandono) do ideal de um conhecimento essencial. Já o outro coloca as ciências sociais como no centro do palco para uma melhor definição de ciência. Um ringue, dois corners, em um combate que se arrasta à muitos assaltos.

Na verdade, os autores nos apontam uma faca de dois gumes: De um lado, uma ciência que não quer produzir verdades científicas; do outro, uma ciência que se acha acima das ciências, arquimédica. A ciência que só produz condições não conclusões versus a ciência que distribui conclusões antes das premissas. Deu para entender agora porque da “crise”?

A crise é geral: repito, a ousadia do para-paradigmático não é aceitável, e esse o problema. Tudo, mas TUDO na vida precisa de um sentido, orientação, rumo, solução. Problemas, dúvidas, questionamentos são válidos como ETAPAS não como situações infindáveis. Devemos adorar o não dito, venerar o incerto enquanto momento que antecede o “salto qualitativo”. Dialética é a dúvida do estabelecido sim, mas dúvida que vira síntese.

Entre a omissão e a presunção não existe meio termo, mas retorno. Então, não tem outra alternativa: temos que colocar DE UMA VEZ a pá de cal sobre as velhas pregações de academia. Acho que podemos começar questionando os “valores do mundo”. Eu acredito (com Weber, Smith até), que tudo passa pelos valores. Se enxergarmos valores que nos levem rumo a portos-mais-seguros, devemos lutar por eles. Isso sim a nova U-topia: estar “sob o solo” (utopoi), e não “sem chão” (atopoi). Ergue-nos por sobre todo esse amontoado de palavras velhas e procuramos acordos, porque afinal, o mundo vai sobrar para nós, a encrenca já é nossa. Se queremos uma certeza para começar, temos uma: os velhos morrem.

Questionar os valores para questionar o porque produzimos não conhecimento só, mas a vida como um todo. Questionar o que estamos fazendo de tudo que nos cerca e não somente como nos acercamos de tudo. Acho que uma coisa eu concordo com os realistas: o mundo existe independente das teorias que temos sobre eles. Adaptando um pouco isso, eu diria que os problemas continuam a existir até que nos ocupemos de verdade deles.

Por enquanto é isso, e o contrário disso é a crise, no meu ver. Há quem goste delas, mas eu, como já disse antes, penso diferente: continuo a gostar da periferia e da calma que ela me traz.