Gostar, ofício a leste de Gibraltar.


(Por muito tempo, meu amigo e minha amiga, acreditamos que isso de gostar era o antônimo de caravela: o mar forte que quebra na quilha, a mão insegura, velas recolhidas em embarcação ao sabor dos elementos. Sim, amar era tudo ou nada depois do equador. Achávamos bonito as imagens do passado e do presente que corroboravam essa ânsia do incerto e da loucura, e confudíamos sentimento com romantismo barato de folhetim parisiense, esquecidos que Balzac não era aventura de um dia, era toda uma comédia educativa dos erros que eu e você tanto nos acostumamos a dormir de conchinha)

(O tempo passa, a gente passa e vê que atlanticamente nada fica. Nada fica do revolto de tuas emoções passadas: delta em ti, escoadouro de ilusões. Se tens essa sorte maquiavélica, cultivas do tudo dito alguma virtude e escolhes flores independentes dos espinhos. Senão, te afogas no Nilo e crocodilo, que é bicho, te come. Teus dias acabam por se tornar assim a dependência da boa vontade de alguma Ísis que vá passar a limpo o ventre alheio e recolher teus pedaços)

(Mas para nossa fortuna, chega aquele dia que a humildade da madeira gasta faz voz de porto: você se recolhe um tempo de toda intrepidez. Alguns confudem o silêncio com a amargura e o distanciamento do pior como solidão. Outros todavia sentem o imperativo do oráculo de Delfos: descalços vão sentar à beira do mar. Depois de alguns pôr-do-sol, a vista vai se acostumando lentamente ao luzo fusco do pior que dejà passou. A vontade de terra-nova sempre esteve contigo, entretanto, só com a mente asserenada é que se consegue ler as entrelinhas estrelares que te guiam entre um trópico e outro)

(E aí, meu parceiro e minha parceira, é que tua embarcação toma o rumo do leste, e te vês na eminência de querer descobrir o novo-no-velho continente. Que o mundo é redondo não duvidas, mas quem gira demais fica tonto. Teus sabores já os tem, de exótico já basta o que não basta em ti. Camões foi o poeta do declínio, dessa Portugal que se lançava a braços do Restelo ,acreditando que ia atravessar o mundo a nado: ninguém escutou a voz rouca do velho. Por pensar assim, chamam-te covarde, leitor de Kant. Acreditam-te fraco, anti-Acab. E nas colinas de Lisboa costumam caçoar de ti, tu e toda essa tua sede de Mediterrâneo)

(Mas eu não te condeno. Tenho cá para mim que gostar é sinônimo de velejar. É a viagem que se faz do ponto A ao ponto B com Descartes amarrado no porão. Viver é preciso sim, quem acredita no contrário é essa gente da Baixa-Chiado quem tem a vida ganha no navegar dos outros.)

(Por isso, aprovo os planos cartográficos de coração-sereno. Partes com o selo do Rei tu que vais bem-ali em Trípoli, buscar a provisão de sempre. Tu que beijas os teus quando partes, pequenos que dormem quietos à noite e nunca perguntam quando tu voltas porque assistem o sono tranqüilo de tua senhora. Enfim, serve mais à pátria-do-peito você que cruza o mar velho de velas abertas do que aquele que é só promessa de meridiano: sinceramente, aventureiros Portugal sempre teve à borla!)

(Gostar é ofício dos calmos. Se tens o peito opresso, a vista turva, e as mentiras todas contadas, então larga o leme e te recolhe ao serviço de escritório durante um tempo: contabiliza tuas empreitadas, coloca em panos tuas feitorias. Só assim vais ter espaço para novos papéis. E aí, vais ver que toda essa ânsia alentejana era apenas impulso teu à pirataria. Calma, meu amigo e minha amiga, é o que a vida vai vos pedir, e apenas isso, porque sem calma ninguém vai entender vossa caligrafia)

(Sigamos na confiança de vencer os desafios por etapas, e que ninguém se gabe por saber onde fica Gibraltar: conversa de peixe é rir dos ossos de quem achou que era bom demais para remar. Trípoli é bem ali, bem o sei. Agora sem paciência ninguém cruza o cabo, que bem lembro, é das tormentas. Experiência ainda vale algo, e quando o assunto é água-funda, todo cuidado é pouco)

(Navergar é incerto, posto que é engenho. Todavia, chegar é preciso)

2 Comentar?:

Glayce Santos disse...

Gostar é ofício dos calmos! Que perfeito esse texto! Lia e me via, sabia? Relacionar-se, pra mim, não é nada fácil! Na verdade, não era nada fácil! Sim, era uma tempestade! rs Estou numa fase muito calma, em, digamos, estado de latência!
Descreveu o amor, o gostar, o se apaixonar, perfeitamente!

P*S Perdi um monte de postagem! Seu blog não atualiza no meu blog, aí, acho que ainda não o atualizou! Ele fica sempre lá, em ultimo na lista dos blogs! Vou prestar mais atenção e passar aqui vez ou outra para ver se tens novidades! Mas, vc bem poderia ver pq isso acontece, pq n atualiza!

Beijos e ótima semana!

Glayce Santos disse...

Sim! Todos os blogs que estão add no meu blog, atualizam, aí eu sei qd tem nova postagem para comentar!

Que nada, estou no mundo do blog faz 4 meses...

enfim

beijos