May-be Borderline

Eu gostaria que o atlântico fosse uma mentira inventada. Eu gostaria que meu pensamento fosse um pombo, e minha imaginação, toda linguagem do mundo. Gostaria também de nunca ter aprendido a ler: palavra, ofensa grave! A caneta neste momento é para mim como a espada do covarde, segurada pela mão invisível de Iago. A tinta é a lágrima que escorre do papel, lamento da humanidade inteira: o carvalho morre triturado na prensa, que podia bem verdade, espremer fora todo o sentimento que enfeita entre-linha.

Sim, nada mais difícil do que cruzar a fronteira do dito. De ficar ali suspenso olhando para aquele universo do não catalogado e pensar: (...). De levar a mão ao peito, buscar o bloco de notas, o teclado-atalho, o lápis, o livro, o dicionário... e só encontrar páginas em branco. De lembrar dos dias que cruzou os portões das academias, dos debates e embates em busca da tão sonhada glória de trabalho final. Do que disse e ouviu, do riso, do escárnio, do meio-aplauso para o meio-homem e dos tantos outros bezerros de ouro, ícones da vaidade de giz. Enfim, de apesar de se sentir agradecido, ver que nada disso é capaz de te informar um pouco da encrenca enorme que te vai no peito. Ao som de uma voz antiga, ao toque de uma mão conhecida, voltamos ao totemismo de nós mesmos: o que não é clava, deve ser coração.

Não estou com isso desmerecendo a boa educação, estou apenas lembrando que um beijo é tão conceitual quanto uma pedra. Um sorriso, anotomicamente falando, é o espreguiçar da boca triste. O suor é tanto um pedido de licença do salgado em nós como um convite para namorar comigo. Um cheiro é uma verdade que fugiu para o nariz de quem nunca esquece. O teu gosto é cápitulo inteiro, salpicado de versículos arranhados e mordidas no cangote. Em suma: não desmereço a carteira de identidade e o CPF, mas eu ando com meu mapa astral no bolso, só por precaução.

Não quero fazer o discurso dos desiludidos, mas por favor, quando o assunto é o que vem lá do fundinho, não vale colar, nem repetir: só sentir. Professor senta no mesmo lugar que aluno e a lousa escreve sozinha absurdidades que ninguém copia. Ao final do semestre, prova, para responder em casa, em duplas:


Gentilmente e à meia-luz, deleite-se nas questões que se seguem:

1) Segundo os autores tratados nesta unidade, defina "Ela" e "Ele", e a importância de ambos para o universo que é vocês dois;
2) Situe, de acordo com a escola francesa, o conceito de coeur e e suas implicações para a sociedade moderna do quarto de casal da casa;
3) Experimente o sabor da alteridade, e defina o gosto de "língua".
4) Marque (N)ada, ou (S)eja o que for, mas viva, meu filho(a)!


Pois, dizer dessas coisas é visto como a nova rebeldia, mesmo que você adore sapatos de couro italiano. Fazer o que? Não as dizer! Sim! Contra toda essa política de nota-de-pé-de-página nada melhor que o silêncio de quem cruzou a fronteira: a delícia de ser ilegal! Pode ser confuso no começo "não ter o que dizer", todavia acredito que com o tempo nos acostumamos a pensar pouco, até que o muro branco se pinta de rosa e o Nirvana vira algo como (insira aqui sua imagem de paraíso).

Se o atlântico fosse uma mentira inventada talvez aprendessemos a ter saudade da pangéia. Não que não houvesse gosto pelo diferente, mas é bom estar pertinho, não é? Nada contra a poesia também e todo esse amontoado de pergaminho, mas oralidade é uma palavra evocativa... e danada! Já o pensamento, bem... esse é sempre-pássaro, com a imaginação como esqueleto e beijo amarrado na perna. Voa longe, cruza oceando de mentirinha e bate lá no coração de quem fica para além do bojador. Para quem vai par'aquém, fica já a dor, antecipada, da saudade do gostinho de mô bem!

Disse tudo isso para não dizer nada. O teu silêncio é o testemunho do teu carinho. Se for para abrir a boca, tudo bem, mas que não seja para me dizer talvez, mas para gritar um sim! Senão, fico com o nada dito, de tudo pensado, e sempre consumado, registrado no cartório do lençol e das manchas na almofada, provas científicas de nós dois.

De resto, quem diz fronteira, diz praia, sol e mar. Vamos?

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