Banho Demorado


(Hoje no banho, pensei em você: não bobinha, não desse jeito. Na verdade, seu nome escorregou da minha cabeça de maneira muito mais grave. Não quero com isso desmerecer tua feminilidade, mas acredito eu que tenho outras formas de homenagear as que passam, e mesmo as que ficam. Sabonete para mim é estandarte da virtu, fortuna da limpeza. No banho construo purificando-me. Digo tudo isso, para preencher de respeito ambiente tão questionável. Conto com tua boa vontade e inocência, na superação dos clichês imaginativos herdados de crônicas outras)

(Sim, dizia eu que pensei em ti. Pensei para me perguntar do valor daquilo que carrego comigo. Canso de repetir para quem quer e quem não quer ouvir que sou o "tipo de cara" [maneirismo dos 80's] que procura ver o lado bom de tudo. Sou. Que procuro guardar o que há de bom, de ser grato. Verdade. Que tenho uma infinidade de defeitos, mas que sempre tento lembrar que como erram comigo, eu erro também. Sim, é fato. Enfim, que perdôo. Será?)

(É o que eu acredito! Melhor, é o que eu quero acreditar: eu sei perdoar. Erre comigo, não tem problema, que no final eu dou a outra face. Esqueço tão fácil o que me fazem de ruim, que pareço um idiota, ou Mirabeau no mínimo, não importa, tenho aval filosófico para ser assim: sou prenhe dessa moral aristocrática, a benção de Nietzsche. Em suma, tudo suporto, eu que sou largo, e nada devolvo. Apóstolo perdido, acho-me uma Damasco)

(A verdade do dito é parcial: sofro de fato do vício do costumeiro. Explico: o segredo da fórmula do meu sucesso é diretamente proporcional à distância do que foi tocado em mim. É meu bem, eu supero sim, como o mar que não se incomoda com quem ou que veleja em sua superfície)

(Para mim é fácil ser alheio. Filho de Plutão, misterioso não, sofro sim da reserva dos inseguros que acham que dominando mantém as coisas no controle. Gosto de mergulhar, mas que ninguém avance em braçadas no lago turvo daquilo que não quero ver descoberto. Não conheço fundo, mas sei que ele existe, e como bom mafioso que sou, é para lá que despacho o incômodo em se existir, assim me permanecendo assunto só meu)

(Por isso é fácil perdoar. É fácil dizer para você, total estranho, que tudo que você disse ou fez não é mais assunto do dia. Você mora em outro endereço e não faz ninho. Você é... você. Eu continuo sendo aquela idéia que você teve, aquela pessoa que você imaginou, ou simplesmente alguém que você não gosta. Isso me importa? De fato? Não. Insensível? Não... medo meu bem: porque quando você começa a fazer a real diferença, é aí que eu me complico)

(E foi devido a isso que, ao lavar meu cabelo, tive essa epifania que devia me devastar, mas me deixou mais que contente: eu não te perdoei! Não! Eu ainda penso no que aconteceu, no que foi dito, e o que esqueci eu invento e pinto com cores terríveis, carrego no drama, faço-me Dante e senhor dessa comédia que, para mim, reside toda ela nos círculos do inferno que tu, e só tu criaste. Não, não quero Virgílio, pois na verdade eu te vigio com meu olho-que-nada-vê e quero ser só para poder te despejar mais essa minha incompetência. Em suma, é conveniente ser vítima, porque assim eu tenho desculpa de ser, sim, eu. Tua culpa, tua máxima culpa e que suporte meus porquês. Não quero ver o teu desespero, não te imagino sequer capaz de sentir dor. Não conto os teus sim's, só os teus não's, e receba isso como punição, por ter ido tão longe e dentro e profundo naquilo que se convencionou chamar o melhor que há em mim)

(Eu não te perdoei, e fiz isso deliberadamente, porque diferente do que me aconteceu, tu foste medalhista: cruzaste a minha piscina no tempo recorde de 4 anos e 2 meses. Foste valente, desbravadora, Bartolomeu Bueno de mim mesmo. Com tuas pernas fortes e teus braços longos revolveste toda a sujeira do fundo, devolvendo-me certezas cristalinas, reflexo do sol. Fostes única, lugar mais alto no pódium. E como todo atleta nobre, te esquivaste dos teus méritos e dos elogios e tudo que vias era a necessidade de voltar aos treinos para que eu conhecesse cada vez mais o prazer de braçadas cada vez mais fortes)

(Eu não te perdoei, por tua verticalidade em mim. Tocaste onde ninguém tocou com a ponta dos teus pés descalços, sorrindo das cócegas que a lama que o meu fundo te provocava. Todavia, houve aquele tempo que a água ficou dura demais, e se transformou em gelo. O que fazer se o teu esporte é andar por dentro e não patinar sobre? Se tens essa decência de não pisar em solo alheio e não riscar o chão dos outros? Infelizmente, eu também não te perdoei por isso, e te culpei e te culpo até hoje. Eu não soube desculpar tua dignidade campeã e teus títulos nas provas que o meu capricho te submeteu. Fostes, e a mim me coube ver isso apenas como ensejo para reativar meus costumes de pântano)

(Nào tens meu perdão ainda, mas vais ter um dia quando o sol me evaporar e deixar exposto o sal daquilo que sou feito de fato. Entretanto, por enquanto veja nessa negativa o sinal dos teus méritos em mim: teu grande fôlego é parte do que quero sempre ser. Eu ainda te culpo, e se te desculpo é para parecer menos sendo um pouco mais. Tudo isso é fruto do teu absurdo em ter ido tão longe. Peço que aceite por agora o meu já pronto Obrigado. O resto Ceres há de prover em tempos de cheia do Nilo)

(Eu te amo, e por isso, eu não te perdôo. É a maneira escorpiana de dizer que não esqueci todo esse bem que me fizeste ao escolheres existir o tempo que foi junto a mim)


Quando vidi costui nel gran diserto,
"Miserere di me" gridai a lui,
"qual che tu sii, od ombra od omo certo"
Rispuosemi: "Non omo, omo già fui,"

2 Comentar?:

Anônimo disse...

doce e terrivel ser filho de plutão
:*

Glayce Santos disse...

Ai, e agora, não sei se é seu o texto...=/Apesar de achar que é! Bem, independente, adorei!!!

Tipo de texto que AMO ler... Vai lendo, imaginando, refletindo, chegando à conclusão de que não sei perdoar, lê mais e descobre que uma relação bela se desfez, se identifica e no final:

"Eu te amo, e por isso, eu não te perdôo"

Parabéns!!!!!!!!!!!!!

Beijos, filho de plutão escorpiano!