Arte & Política



“(...) formas que não se apoiassem no chão, rígidas e estáticas, (...) mas que mantivessem os palácios como que suspensos, leves e brancos, nas noites sem fim do planalto.

Formas de surpresa e emoção que, principalmente, alheassem o visitante por instantes que fossem dos problemas difíceis, às vezes invencíveis, que a vida a todos oferece”.

- Oscar Niemeyer – “Forma e função na arquitetura”.

(Foto: Minha)


Brasília é, como tantas cidades do mundo, dona de vários adjetivos: é a cidade planejada, cidade mística, cidade linda. É cidade modelo, cidade de curvas, centro do poder e da (des)política. Cidade palco, cidade refém dos carros e do avanço desordenado. Cidade que rompeu as amarras e os traços no papel: a cidade discursiva. Trajetos, descaminhos e atalhos no desenho ufanista do modernismo apressado que quis colonizar o solo do planalto central. Resposta à prancheta, a resistência do concreto (e também do vidro) da capital do país aos seus desenhistas e planejadores. Cidade rebelde: filha de pais enamorados pelos ideais comunistas e socialistas, a cidade capital da vida do país é atualmente o reverso do sonho. Brasília é, como tantas cidades do mundo, reflexo de dinâmicas humanas, do dialogismo, da dialética das interações entre os espaços e quem realmente de fato se ocupa deles. Brasília queria ser o plano piloto somente. Brasília queria ser a cidade para os do dinheiro. Brasília não vê beleza na pobreza, e se desvia dela na próxima “tesourinha”. Entretanto, existem aqueles que não concordam com Brasília.

Esses, os pobres. Gente em buracos. Gente em carroças cheias de latinha, o cavalo manco, lento. Atrás, o carro apressado. Cidade de carros. Gente? Nunca vi. Só em livros.

Asfalto e concreto. Brasília foi projetada contra a pobreza. Brasília versus Brasil. O viaduto tem calçada curta, que não cabe o corpo. Parada de ônibus de ferro, que o concreto já ficou mole, diferente do coração de quem não se transporta. Ruas, ruas, largas, amplas. Quilômetros de ruas sem um teto. Arborizada, é verdade, mas para passarinho ver. Nada de esquinas, nada de cortes. Tudo limpo, na verdade, tudo às vistas. Uma vez ouvi um dos amigos do niemeyer dizer "os espaços vazios são também decorativos", bem, aqui eles servem bem à estética clínica da cidade vitrine: o farol vermelho-azul vê longe, e encostar-se é o crime. Negro de havaiana em shopping, nunca, nem no natal. Ah sim, muitos shoppings, que esse calor tá de matar não é mesmo?

Todo mundo aqui é europeu. Classe média ALTA, fazendo o favor! Só vou expulsar o reitor quando aparecer no horário nobre, que é a hora que minha mãe está em casa para gravar. Satélites? Disse bem: "AO REDOR", que é para onde exilamos todos os sócrates desdentados, descalçados e desqualquercoisas que não combine com o glamour do novo-piche.

A subversão, a negação que a capital do país aparenta ao seu plano original foi construindo-se por demanda das dinâmicas que estavam além (aquém?) das utopias: cidade centro do poder. Brasília precisava parecer limpa, “branca”, e para isso, desviou do seu centro o roto, o maltrapilho, o sujo. Brasília era um sonho e devia continuar a parecer um sonho. Todavia, a cidade encontrou outras maneiras de aparecer: a pobreza presente, hora camuflada, hora frente aos olhos, incômoda. Luta entre a realidade de um país subdesenvolvido e os jeitinhos tentados para “alhear o visitante”: o Brasil se inseriu em Brasília. Brasília versus o humano, o brasileiro em Brasília. E agora, com licença, que tenho que ligar o ar condicionado.



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