Além-aquém-daqui.

[Em março de 2007, uma pesquisa de mestrado foi a minha chance de dar o troco, e o vento me levou para o litoral-de-lá, onde tudo, dizem, começou: resolvi conferir meu título de cidadão tardio da velha senhora. As experiências são inúmeras, e eu posso dizer que 4 meses e meio mudaram-me completamente. Por enquanto, vou falar das cidades, já que é esse o nosso tema: verticalidade, locus e gente na calçada. Depois, as sentimentalidades de chão mais duro]


"as construções atuais refletem, fielmente, em sua grande maioria, essa
completa falta de rumo, de raízes... cujo único interesse é documentar,
objetivamente, o incrível grau de imbecilidade a que chegamos, porque, ao lado dela existe, já perfeitamente constituída em seus
elementos fundamentais, (...), toda uma técnica construtiva,
paradoxalmente ainda à espera da sociedade à qual, logicamente,
deverá pertencer".
- Lúcio Costa: Razões da nova arquitetura.
(Foto: Minha; Restauradores/Lisboa)


Primeira Parada: O País-Nariz.

Olha, não é que Lisboa seja chata. Não é isso. Apenas há lá um consenso que o Tejo é via de mão única. Restelo -» Mundo. O inverso só a passeio.

Por isso, sugiro: toda a vez que ouvirem “Portugal”, pensem neste singelo país do tamanho da população de São Paulo e… excluam Lisboa. A pior coisa que pode acontecer para qualquer brasileiro que lá chega com um pingo daquela sensação “vou lá encontrar meus camaradas” ou “sabia que meu avô era português?” é pegar o vôo direto da TAP para a capital do país-nariz de Cabral, aquele ibérico do caraças! Entretanto, se o que te preenche o coração é o sentimento de “sacanagem, eles amansaram as índias antes de mim”, ah, então venha mesmo, e venha a nado se o avião atrasar! Lá é o local perfeito para si! O rico, a feia, o quase bonito, todo mundo tem nada para dizer para você, nem você para elas. Mas antes, apelo para a tua cordialidade natural de bom selvagem: deixemos o esplendor e o silêncio da gente do centro. Garanto que o Tejo é o “mais pequeno” dos lugares do Brasil.

Sim camarada, teu avô não era lisboeta. Digo-te: de todas as pessoas que, ao conversar comigo, conseguiram a proeza de manter a relação “sorriso-frase” com frequência, numa conversa educada, 99.9% delas eram do além-aquém-daqui. Claro, sempre há margem para a surpresa. Mas como sou afeito a exatidões, digo que o 0,01% que falta da minha conversa era um loirinho muito simpático que me abraçou quando me viu com a camisa do Sporting. E isso dentro de um bar brasileiro, o que compromete minha amostragem: ele estaria sendo mais esperto do que legal, ou bêbado?

Eu sei que pareço o primo mal amado neste romance que o Eça e o Camilo ainda estão por escrever, ou que parei antes de 22. Aceito vossa reprimenda. Todavia, explore um outro concelho: Porto, Coimbra, Évora, algum lugar no Algarve, algum lugar no norte, algum lugar português! Chegue de avião, que é o jeito, mas alugue um carro. Bartolomeu Bueno da Silva faria o mesmo.

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