Terça-Maior




eu queria poder te escrever alguma coisa. eu queria poder sentar aqui, colocar um papel de parede rosa e te escrever uma dessas cartas cheirosas que começa bem e termina melhor ainda. eu queria pode te contar como foi o dia de ontem, deixar o coração fazer fofoca, falar das nossas vidas passadas, e trocar presentes todos os dias, comemorando toda semana o aniversário de algum dia que estivemos juntos.

eu queria a simplicidade dos teus 18 anos, da porta do bar, de rir do teu ex-namorado e dançar abraçado contigo num ritmo que só você sabia. de sentar no banco de trás do teu carro e te ver soltar o volante para tocar uma música pra mim, fazendo isso que você sabia fazer tão bem, que era abrir mão do controle das coisas pelo prazer de nos ver sorrir. de te ver sem graça porque eu achava graça do teu pé, que era o caminho pra tua mão. de te pedir sem medo do não, e te beijar para receber na tua saliva o único combustível que me faz realmente ser otimista, e achar que a vida é uma viagem, e todas essas outras baboseiras as quais você é síntese.

eu queria a simplicidade dos meus 22 anos, da minha austeridade recém-comprada no mercado da esperança. do meus graus a menos de miopia, da minha nitidez em te enxergar no meio de tanta gente. de não ter que pensar em ter nada e receber tudo, de ser um conjunto, uma banda, metade de quem não pede licença. de tomar chá no quinto andar, de olhar a lua e de morrer na rua quando me despedi de ti para ir bem ali, e de ficar de luto durante um mês, sentindo-me o mais infeliz dos sujeitos porque o mundo não parou enquanto você não estava ali.

eu quero muita coisa, mas o que mais quero é o poder de reconstruir um instante. de olhar pra cima e ver uma nuvem em forma de perdão sobre a minha e sobre a tua cabeça. de sentir de novo o delicioso descaso por tudo que não seja a mão dupla dos nossos sentimentos. de não me importar mais com ninguém, de ter pouquíssimos amigos, de acordar com o teus problemas dormindo do lado dos meus e deixar que eles se deem "bom-dia" e depois discutam por alguma bobagem. esta paz de agora, essa pax mundana, é das mais corrosivas, que te passa aquela falsa idéia de tranquilidade de mar demasiado salgado ou demasiado doce. sinto falta do vento.

eu queria nascer de novo, e não tem nada na vida que quero mais. se você soubesse o tédio que eu sinto de tudo que não é a tua risada, da preguiça de tudo que não é você correndo descalça... claro que vou vivendo, e vivo e vai ser assim se assim é, mas já tem tempo que sinto essa fome de bolo com recheio, de pizza de massa alta com um queijo que me escorre pelas bordas. sinto falta de extravasar, da extravagância que só o excesso de amor causa, de falar que te amo com a boca cheia de ti e morder minha língua tentando te engolir.

a terapia do tempo com as outras vivendo os prazeres já não funciona. a temporada longe de ti, e pior, o tempo longe de mim só me deixa com mais sede. doutor pode falar que sim, e doutora falar que não. amigo pode dizer "não vai bem" e amiga dizer "que lindo!", enfim... no meio disso tudo está a certeza, a única que eu tenho nesta vida, que o que eu sinto por você é feito e constituído de matéria totalmente independente de Freud, eu, ou a menina.

nunca pensei que gostar muito de alguém podia vir a ser uma maldição. dessas de livro clássico, que protagonista arrasta como correntes pesadas, carpindo uma mentira, fingindo que não é dor a dor que deveras mente. não sei se devia chamar de maldição, ou se essa a minha benção, o meu norte, o que me guia para fora da piscina alheia.

eu gosto demais de ti. há quem ache que isso seja algo linear: gostar + de ti = gostar - de mim. bem, eu gosto muito de mim, mas gosto mais ainda da pessoa que sou quando estou contigo. existem pessoas que têm esse poder de nos fazer melhores só pelo fato de existirem. tenho pra mim que cada vez que você respira, é uma oportunidade que eu tenho de desvendar uma verdade fundamental ao meu respeito. sempre foi assim, vai ser assim sempre.

hoje não quero falar de amarguras, nem da saudade, que não sou viúvo de gente viva. queria apenas te lembrar do que você também já se esqueceu: que eu te amo verticalmente, como um desses raios de Prometeu, e horizontalmente, como quem te venera como a mulher mais linda que um dia se fez carne e suspiros.

e para todas as outras que não são você, fica a minha declaração honesta: de que nunca fui nem vou conseguir ser o que sou aqui, em cada entrelinha do que disse, e no que a ninguém interessa, além de nós, saber...

Deixa, que essa fase é passageira, amanhã será melhor
E você vai ver que a cidade inteira seu samba sabe de cor

0 Comentar?: