casa de Hefesto, espeto de pau























chega aquele momento que toda aquela dor enorme que você fabricou para ser o teu porto-seguro que te protege do dia calmo que é ser melhor acaba.

você olha pro lado, e não tem ninguém, e isso bom porque te diz "livre" como as folhas sem cola do teu livro velho. olha para trás, e não tem mais ninguém, e isso bom porque diz "raiva" e ela é a tua carapaça, como a do escaravelho que rola imundíces para um lugar futuro. e aí você olha para frente, e também não vê mais ninguém, e diz "nada", porque nada é o que se diz quando se constata que de desertos se colhe a sombra da tamareira, arremedo de oásis.

hipócrita. no fundo é isso que você é. quem te ouviu falar na rua as tuas verdades de entre gole e outro te acha uma dessas caixas de pandora vazias, agora domínio da ingenuidade e da candura. mas as coisas não são assim, ou pelo menos deviam ser se a coerência tomasse o lugar de afrodite na tua cabecinha que adora a melodia clássica do adágio do ontem e sempre.

constrito pelas leis internas do teu proceder. prisioneiro da maneira tua de agir consigo e com os outros. vilão do teu faroeste e herói em macunaímas dos outros. não, quem te fala isso não é a voz do pastor ou da cabra senão os retratos mesmos da tua galeria dos rostos sem nome, que todos os dias te acalentam com esse jeitinho doce de quem te quer Dorian Gray.

um níquel pelos teus pensamentos, que eles estão aí, soltos: nunca foi tão fácil ter o fácil sendo fácil. nunca a confusão foi tão regra e o caos uma conversa como hoje, como tu. o absurdo chega ao máximo contigo abraçado nele, como mãe-escorpião que carrega nas costas suas crias pontiagudas. do teu ventre derrama esse sémen viscoso, semente que nasce morta e das tuas entranhas eu me escorro para um esgoto qualquer, lar de todos os rejeitados, esquecidos, bêbados, loucos por um afeto, um útero, um ventre, um amor, uma vida...

e aí eu vejo você. é nesse momento que eu vejo você. quando o errado nunca deu tão certo pra mim é que eu vejo você. e por um momento eu paro, e por um momento eu lembro, daquele tempo, do meu tempo, de quando havia tempo. de miletantos anos atrás, de miletantos corpos nos quais eu me escondi atrás. e lembro que um dia eu fui Pandora, fui menina-chave, com a diferença que não tinha me enfiado em fechadura alguma alguma, não tinha libertado tudo isso que eu achei que sequer, em mim, existia. eu ainda acreditava no que acreditava, e rezava para os deuses da hora. eu dormia abraçado com uma verdade parcial de cada vez, sabia o sentido de encadear as pequenas mentirinhas e sabia tirar o noves fora daquilo que não me servia. antes desta regressão toda, antes do desespero e do medo do dia com sol, eu cheguei até a namorar a Tempestade: ela foi minha Maria, e eu Seu José.

todavia... hoje, eu sou a caixa: uma vez aberta, não serve, fecha-se de novo. libertei quem queria sair e saiu fazendo ruído, na rua com os outros, sem me deixar dormir. acabei acostumando com o barulho até que fiz dele profissão. noite após dia eu, Hephaestion, martelei na carne dura certezas moles que se descolavam ao som do chicote de cima. fechei, e fechado pensei que seria como a concha, que do stress dos outros faz-se pérola, mas que nada! ao fim, nada pasmo, constato que toda essa conversa me rendeu apenas mãos que se mostram tão solícitas em me ajudar a lustrar e manter o brilho desta armadura de ouro de tolo a qual me veste.

e aí eu vejo você. de longe pareço fogo, de perto... sou o ferreiro. eu não sei o que dizer, ou se devo ser ou não, ou seguir, ou ir, ou ficar ou estar lá, longe de qualquer coisa que me tire do conforto de quem não é. eu que condenei e condeno à covardia nos outros, vejo em mim a forja ardente do que sei que posso, e a chama fria do que sei que devo. e aí ficamos nessa conversa: eu, você, o resto dos viventes... que abstrair é uma boa forma de se escusar: "ah, mas não sou só eu!"

não sei o que vai ser de amanhã, mas parece que a chuva chegou. vai ver ela lava a rua, a lama, e com os esgotos entupidos suba esse cheiro de faça alguma coisa. pretendo e até quero, mas o que tenho para garantir agora é que vou, mas não sem luta. reze por mim, ou não, no fim, o meu fim sou eu mesmo.

sendo o bastante de tudo que me diz respeito, resta-me subestabelecer a vida naquilo que procuro.

1 Comentar?:

Isabela Correia disse...

Ameeeeei!
*-*
"nunca foi tão fácil ter o fácil sendo fácil. nunca a confusão foi tão regra e o caos uma conversa como hoje, como tu."

beijo.