nãobrigado.






























eu fui treinado pra acreditar em um tanto de coisa que nunca me disse respeito pegaram minha mão ainda pequeno nessa arte de te gosto e me largaram com uma professora que vivia se queixando dos meus pés que nunca tocavam no chão e da concepção que ela tinha de minha beleza como uma dessa promessas de um futuro que nunca ia chegar como plantinha sem sol na varanda nunca fui educado para olhar para o lado e perguntar do horizonte por trás do sol que queria dormir eu aceitava tudo de bom grado porque todos os dias era a mesma ladainha sou o melhor que pode te acontecer ia pra casa e olhava pra mãe e dizia pai não tá certo e ele concordava comigo e eu ia dormir e sonhava com a professora que dormia no peito como uma poceira com aquele sorriso enigmático no rosto de quem ia me furar até eu não ter mais fundo até que teve aquele dia que fique só no portão da escola e todo mundo me contava mentirinha de férias e eu acreditava que tudo ia voltar ao normal assim que passasse o calor mas não passou e eu acabei ligando pra casa e pedindo pro meu pai me pegar minha mãe fez chá nesse dia lembro bem que eu fiquei triste mas ela disse que era normal que eu tinha crescido e que agora ia para uma outra escola mas eu não queria saber disso cadê a professora do sorriso de picareta e minha mãe desligou meu telefone e disse que ela tinha ido morar em algum outro lugar que agora era verdade e não era mais mentira acabou e eu perguntei do que tinha sido feito da outra verdade que era verdade não era foi ela que disse a professora mas meu pai disse agora eu ia pra uma escola melhor e eu fiquei sem saber o que fazer e quando a gente não sabe o que fazer a gente chora até que a solução escorre do olho bate no peito e aí a gente pensa tá tudo bem e compra a farda nova e volta pro pátio compra cachorro-quente que já não basta mentira ficar com fome é pior ainda né aí veio a prova monte de professora nova que agora eu tinha cabelo na perna e a voz engraçada e me diziam que gente assim precisava de um monte de outra pra ensinar ele e eu disse ok e a água do bebedouro tinha um gosto gozado e me deixava engraçado também rindo sem ser feliz e abraçando quem eu não queria abraçar e no outro dia acordava ruim mas tinha que me levantar logo e nem podia ficar na cama sentindo aquele gostinho de cadáver na boca e a vontade de explodir a cabeça no interruptor que ligava a luz maldita luz que doía meus olhos e ia pro chuveiro lavar do corpo o cheiro que a professora de ontem me deixou dava bom-dia pai bom-dia mãe tô bem a escola é ótima aham tenho estudado até mais tarde queimando pestana e alegria que nem azeite vagabundo de acidez alta e pegava minhas coisas e assim começava e terminava mais um dia aí resolvi começar a matar essas aulas pra ficar em casa não conseguia estudar disseram que era coisa de menino que logo passa mas não passou e eu fui ficando mais assim e cada vez menos o que todo mundo queria que eu fosse inclusive a professora com sorriso de buraco em mim levava minha água de casa não bebia mais do bebedouro da escola que tinha tido hepatite fiquei mal e se não fosse minha tia nem tava aqui tava com aquele gosto gozado de formiga capim e morte na boca que fica depois que a gente bebe muito a água que poceira outra abre pra gente

e aí foi num desses dias de tédio e video-game que eu resolvi abrir a porta de casa e mudar de escola: começar tudo de novo

aos poucos fui reaprendendo a ser devagar de novo, a fazer pausa, uma atrás da outra, e readquirir de novo meu passo lento de casco partido. Comecei a prestar atenção na beleza do simples, do bem colocado, do bem dito, mas principalmente do bem sentido e vivido. Uma nova elegância foi aparecendo pela fresta da janela, e a calma de trânsito da madrugada espantou o sol que me deixava agoniado. Com isso eu me entendia melhor, e por consequência você começou a me entender melhor, o que me deixa feliz: e foi assim que eu dei o último beijo na mão do chicote, e foi assim que você parou de ouvir falar de mim.

E quando eu larguei esse vício de achar que a vida é uma tela impressionista, que beijei a minha cabeça com a boca cheia de coração, o coelho pulou da cartola para o meu colo, se tornando um desses caros amigos peludos que nos oferecem suas largas costas para que possamos descansar as palmas das mãos, e mesmo que eu teime em não sorrir, ele se enfia no meu peito, e todo mundo está cansado de saber que o efeito de bicho de chapéu a caminhar por dentro de si é o mesmo de um esfregão no chão molhado da minha cozinha.

Não existe verdade pronta, não existe uma professora, nem mesmo várias. O que existe é você, eu e toda uma matemática absurda de asa de borboleta. Nunca se deixe levar por quem e pelo que dizem que você é, nunca acredite que o horrível é a medida do que te completa, a infelicidade é tudo que você pode ter, e que teu fingimento é o teu ponto G. Se eu posso te dizer uma coisa, se algo escorre de mim pra você meu irmão, minha irmã, é que a capacidade de mentirem pra ti é muito menor que a capacidade de você mesmo se colocar pra dormir: é teu todo engano, Dâmocles. Carregue sempre contigo caderno, pena e sonho e nunca deixe que ela te ensine o que nem mesmo ela quer para si. Que teu sim seja sim e teu não o fogo que consome a cera das asinhas da desavizada.

Dito isso eu me reservo o direito maior de torcer por ti. Liberdade é apanágio do pé-descalço na areia do teu quintal: entra quem quer e quem é criança. Que a nossa inocência seja o brinde que abre toda essa festa, mas que ao fim os embriagados sejam os outros. Não sei de ti, mas algo que odeio é acordar com uma dor que não é da minha cabeça.

Janela aberta não chama chuva, e só tem medo dela quem acha que verniz é item de decoração em casa alheia. Ouse, e tchau!

1 Comentar?:

Lôra Flor disse...

Bem bacana o texto! =)