materialismo-dialético



















sabe, muita coisa que me incomodava já não tem mais aquela força de outrora-bem-que-te-disse, que me queimava a cabeça e soprava no meus tímpanos um sinistro chamado de bem-feito-você-foi-avisado. aquela culpa que me fechava as veias e me impedia de sangrar a sangria do desatino compartilhado também ela se diluiu no copo dos tempos que bebi. é: eu não tenho mais nenhuma grande dor que eu possa usar como espada fresca a me cortar os membros que querem andar. o meu olho esquerdo secou, e o direito também já não faz água.

lá no fundo do teatro alguém seria capaz de ouvir o estampido seco de duas mãos se encontrando e o grito entusiástico ou embriagado de um ouvinte, desses que chegam no meio da cena e gritam um incentivo como que para conseguir a simpatia de quem avizinha o atraso. quem chega no meio da correria pergunta pro do lado: amigo, quem ganha? e recebe uma resposta meio que de pipoca, meio que de coca, e se senta sem mais nada a perguntar. quem canta a letra pela metade runrunruna um improviso só para não passar vergonha, sem compromisso algum com as horas que o artista perdeu emendando uma letra na outra.

teve um tempo que me irritava isso, porque eu ainda me sentia um prometeu da nuvem furtado, estalando em curto circuito e achando que tava cuspindo raio. irritava e por anos eu passei irritado com tudo e com todos porque eu me achava tão cheio de problemas, e o problema do mundo era que eu tinha um problema, logo o mundo devia girar um jeito de orbitar para poder satisfazer meus caprichos de tadinho dele furou o dedinho.

hoje em dia não é assim, mas ainda tenho uma certa sensação residual desse tudo que passou. eu já não choro ela, florisbela, mas dela ficou uma idéia, e talvez seja ela (a idéia) o último desafio que ela (florisbela) te deixa quando vai: ela foi, mas ela fica.

sim, você imaginava ela de mil jeitos e todos os dias acordava dizendo para si o quanto era feliz. tinha ela e ela é tudo ela quer ser tudo ela se faz de tudo e se veste de todas as cores porque você usa um desses óculos da cor-do-arco-íris que te faz ver tudo assim newtonjorgebenjoriamente maravilha: você está apaixonado, ela também, e o mundo no dos outros é refresco, ema ema ema.

e aí, acabou. o espelho quebrou, e depois que você pára de recolher caquinho pra cortar os pulso, e supera a fase dos "por queeeeee" entra em vórtice que te suga pro resto da vida, se não tomar cuidado: do por que meu pai? você transforma florisbela em Amélia, a única mulher de verdade.

a partir daí, toda a tua vida parece uma eterna corrida na qual você está irremediavelmente fadado a chegar sempre em segundo lugar: não importa qual caminho tome, sua forma física, cardio trainning, tênis, ou grossura das coxas. nunca nada vai ser bom, nunca ninguém vai ser bom, nunca, porque o teu primeiro prêmio o insensato destino te tirou, tadinho de ti. você meio que entra num modo automático, e sobrevive: a vida é uma merda mesmo, mas vamos ficando por aí que morrer pode ser uma encrenca maior do que estar vivo.

corredor + juiz + carceireiro = você. quando te falam de agora-Amélia, você romanamente bate no peito e chama pra si Marco Aurélio: mea maxima culpa. dedo em riste, sempre pra baixo. ela? ela nunca fez nada de errado! ela nunca faria nada de errado! ela é uma santa, dessas que se pinta no teto da igreja pra ficar bem longe de mão boba. só que toda mulher usa calcinha, e até onde eu sei, a função maior de qualquer roupa íntima é esconder o delito.

e assim você vai passar a vida toda, se não deixar esse pseudo-altruísmo de lado e apontar o dedo pra ela sim: sim, ela errou! sim, ela te sufocou, ela não te respeitou, ela pirou em coisa simples, ela viu coisa onde não existia, ela te pediu o que tu não querias dar, ela tentou te fazer ser alguém que era alguém que não era você. em suma, ela é humana! (pasme). não, não estou te dizendo para agora trocar o chororô pelo "eu te odeeeeeio!" que aí é trocar uma criança pela outra. digo apenas que o adjetivo "perfeito" não se aplica a humanos, e o engodo disso chama-se "idealização".

a última etapa é a de superar a idéia que você tinha de alguém e colocar ela no mundo dos homens, pra jogo mesmo: quem tiver a mão maior, vai levar papai, não tem jeito. aproveita e mata essa idéia que tu tens de ti enquanto idéia que ela tinha de ti: sim, seja tu mesmo e arque com isso. tá certo que tu não és nenhuma marvilha, mas eu te garanto que no mercado das gentes, tem quem esteja disposta a te levar da prateleira.

o relacionamento acabou, mas sem enfiar a mão na cara do desgosto fica difícil seguir em frente. sim, deu tudo errado mesmo, e é isso aí, control+alt+del meu filho, só que desta vez, larga mão desse modo de segurança.

feito isso a coisa muda completamente de figura: todo mundo é campeão em alguma coisa, disse a pessoa: seja tu o medalista em andar pra frente.

Menos Hegel, mais Engels.

1 Comentar?:

Unknown disse...

blog acabou? que pena, neste vortex de vacuidades que a alta velocidade se perseguem em torno do eixo deste mundo, e nunca se alcançam, uma ou outra pérola rara, extenuada, deixa-se cair para o centro do vazio, e assim imóvel, me apercebi dela. Este blog assim é, uma pérola....