O Medo do Sagrado


"In archaic and traditional societies, the surrounding world is conceived as a microcosms. At the limits of this closed world begins the domain of the unknown, of the formless. On this side there is ordered - because of inhabited and organized - space; on the other, outside this familiar space, there is the unknown and dangerous region of the demons, the ghosts, and the dead and foreigners - in a world, chaos or death or night. This image of an inhabited microcosm, surrounded by desert regions as a chaos or a kingdom of the dead, has survived even in highly evolved civilizations such as those of China, Mesopotamia and Egypt." (Mircea Eliade - Images and Symbols, 1952)

O "medo do sagrado" nada mais é que o medo do espaço desorganizado, o anti-totem mauss-durkheimiano. Muitas pessoas reclamam de querer contatos, de provas de algo para crer. Todavia, a vivência do macrocosmo, ou a experiência do sagrado enquanto locus e sujet portador de todo o discurso sobre o real (o real enquanto fenômeno do sagrado) passa por esse entendimento da estreiteza, dos limites do microcosmo que cada ser arquetipicamente constrói para si mesmo como ferramenta de consolidação da identidade, e na qual se escraviza por medo de qualquer desconstrução redunde em uma insegurança que atinja estruturas do "falso-sagrado" em si. Ver espíritos, entender runas, ler os astros como os Caldeus, meditar, ou seja, qualquer experiência extra-sensível exije o "sacrifício do intelecto". Não como os estudiosos de orelha de livro do Max Weber entendiam, mas como para os leitores do último Bourdieu: conhecer (pelo corpo, ou não) é uma experiência multifária, complexa e multidisciplinar. A razão nem sempre tem razão.

"I practiced for many years [the] exercise of recapturing that epiphanic moment, and I would always find again the same plentitude. I would slip into it as into a fragment of time devoid of duration—without beginning, middle, or end. During my last years of lycée, when I struggled with profound attacks of melancholy, I still succeeded at times in returning to the golden green light of that afternoon. [...] But even though the beatitude was the same, it was now impossible to bear because it aggravated my sadness too much. By this time I knew the world to which the drawing room belonged [...] was a world forever lost. (Mircea Eliade - Autobiography, in Ellwood, p.98-99)
Conta-se no Zen-Budismo que um PhD procurou um lama para uma conversa. Chegou, sentou-se e, antes de qualquer pergunta, começou a versar sobre o que tinha estudado e aprendido, numa espécie de "introdução à minha pessoa". Enquanto falava de si, o lama lhe servia chá em uma xícara. Enquanto o doutor ia falando, e continuava a falar, o lama continuou no seu trabalho de lhe encher a xícara, até um momento que o chá começou a transbordar. O representante da academia parou, e depois de notar que o lama continuava a colocar chá, mesmo transbordando, gritou para ele "PARE! NÃO ESTÁ VENDO QUE ESTÁ CHEIO JÁ?" No que foi respondido pelo lama: "Sim, assim como você: para aprender algo sobre o budismo, você vai ter que se esvaziar primeiro".

Todos nós temos o momento da vida que buscamos o "eterno retorno" mas ainda nos sentimos presos ao "terror da história": tudo isso herança cultural de nossa educação e do costume de sempre repetir, de dar sequência aos ritos ocidentais de passagem para a Idade-da-Razão. Fitoterapia? Menos Platão, e mais chá... mas sem derramar. 

1 Comentar?:

Lôra Flor disse...
Este comentário foi removido pelo autor.