call of wild


"Hail Lady of the Lake and the Merlyn of Britain,
Ancestors of those who follow the path of the
Order of the Northern Way. I summon and stir thee!
Come and be welcome in this holy place."


eu não tenho medo de ti. não, não tenho. por muito tempo me esquivei do teu grito gutural, dessa tua boca aberta, desse teu urro ancestral, por perder muito tempo por não entender esse teu jeito antigo de educar. quantos anos demoraram até eu conseguisse erguer o peso de tudo que ficou sob minhas patas, por quanto tempo o meu focinho foi curto demais e meus olhos tinham aquele cansaço de quem corre de noite e dorme de dia? hoje não, hoje não tenho mais medo de ti, e por isso eu ando descalço e encaro o norte que me chama. ando como fera, farejando o ar que me denuncia essa tua presença de bicho velho, desse teu olho que sente o meu cheiro. com passos firmes cravo as garras na carne dessas tuas árvores. tu me chamaste, sempre me chamou. hoje eu estou aqui e vim como quem vem para fazer uma toca.

tenho nada nas mãos minha senhora, nada, nem mesmo o ferro velho que me fazia sentir unicórnio entre asnos filhos do rei. tenho nada, nem mesmo a roupa tecida pelas mãos daqueles que me viram sair com a esperança de tirar a esperança de outros tão pobres quanto eu. tenho nada minha senhora, nem mais aquela benção dada quando me ajoelhei na tua pedra e pedi que iluminasse o meu caminho unicolor. não tenho o olhar do velho que, com a mão no meu ombro, quis me falar de tempos antes daqueles tempos em que a sabedoria morava no sol, não no tilojo. não tenho nada minha senhora, não tenho nada. e é nessa miséria daquilo que pensava ter que hoje cheguei aqui depois de tantos séculos, depois de tanto tempo longe da minha tribo. chego para encontrar tudo diferentemente igual: a mesma pedra, as mesmas árvores, o mesmo sol. chego, e tudo que tenho são as cicatrizes do que não entendi bem o que era. 

só voltei porque nunca consegui dormir sem sonhar. de tanto matar sem morrer eu comecei a imaginar que talvez a morte não existisse para mim, que talvez ela não existisse para ninguém, e foi quando lembrei do velho e da sua mão calejada, testemunho do tempo. se a morte não existia, os anos se passavam, e cada dia longe foi como se um abismo de sal e terra pisada se abrisse entre mim e aquele tempo que eu era pequeno e feliz por ser assim. minha senhora, só voltei quando eu lembrei do velho, só voltei porque não tinha mais nada e tive medo de que a única coisa que me restava - a lembrança de um tempo - se afogasse no grito da garganta molhada daqueles que rasguei com meu chifre.

eu hoje em dia tenho uma barba que é a medida da minha ignorância. o ferro velho eu atirei de cima precipício para não atirar a mim mesmo: senti alívio ao roçar o osso minha cabeça na pedra até quando a memória do outro tempo se esvaiu em sangue de membro amputado. na distância eu me libertei do medo do estar perto de ti. foi nesse dia, que dormi na beira de um mar mais quente, que senti tua voz me chamando, o grito do norte. teu urro ecooooou longe nas encostas da terra que amaldiçoamos com nossa insanidade nada pagã. eu não tive mais medo de ti senhora, água, pedra, espírito. e foi quando eu decidi voltar e aceitar a tua reprimenda e esse teu jeito de me ensinar, que é antigo.

cheguei ontem e por muito tempo estive aqui olhando a fronteira invisível do teu domínio em mim, esse fascínio que atravessou minhas vidas e sempre me falou de uma terra que também sou eu. de onde mais poderia vir esse meu gosto pelo frio senão desse teu mar gelado e doce que beija tuas encostas, pedras despretensiosas que nunca se disseram barreira de nada? o meu amor pelo lamento desse vento, minha gaita-maior? o meu gosto pela música dedilhada aquecida pela fogueira imorredoura de tuas achas-mártires de nossa alegria? foi contigo que eu aprendi a rir esse riso que hoje é o testemunho de que me curei das coisas que me faziam triste. foi contigo que eu aprendi a ficar nu antes de me vestir. e foi no meio de ti que eu recebi meu nome e a certeza de comungar e fazer parte do culto do universo, o culto da vida: foi em tua floresta que aprendi e pela primeira vez respondi ao teu chamado, o chamado do selvagem.

eu não tenho mais medo de ti. tu és minha senhora e eu sou feito de instintos. minha carne sangrou aqui a primeira vez e é aqui que quero que ela sangre por último. aqui quero ser enterrado e que minha lápide seja larga e responda pelo nome que se dá para planta alta. eu voltei minha senhora, eu voltei para correr nu de novo, nunca mais quero ser vestido com o hábito que não seja verde como teus olhos. voltei para pedir teu perdão e voltei para me perdoar. voltei para te encontrar e para me encontrar. voltei e peço que me chame de filho mais uma vez e que me inicie no segredo antigo da religião da terra.

hoje eu estou aqui e meu nome não se pronuncia. nu eu cultuo o chão que piso e tenho um cabelo numa trança que é a medida da eternidade que me cabe, minha barba é o enfeito de meu sorriso. hoje eu estou aqui e o meu nome nada significa. eu sou filho da cruz-mais-antiga, sou feito do sol. orgulho celta, minha mãe-terra fez-me druída.

orgulho da terra, filho do sol, druída. 
mãe dos celtas, mãe da terra da terra e do sol
mãe dos celtas, de todos nós
a Deusa, múltipla e única
a Deusa, mãe e querida

Eu te cultuo minha mãe. Hoje não tenho mais medo de ti.
Voltei, não tenho mais medo de ti.


On the space say:
I bind unto myself today the
Comradeship of all Earth Spirits



- Voltei

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