pró-nomes

eu me indigno sim. claro que eu me indigno! já foi o tempo de bater na porta, terno aprumado, sorriso de bom moço. já foi o tempo de te ver de longe, passando na praça e fazer que nem te via para ver se você notava o sorriso que eu carregava no bolso da camisa, que é do lado esquerdo, sempre. já foi também toda a conversa brejeira, sapo teimoso que só faz barulho de noite porque ninguém ouve, ou quando ouve, liga pro síndico e diz pra baixar o volume do amor, que - vá lá - gostar faz bem, mas não precisa derrubar o prédio em cima da cabeça de quem não se gosta, como a gente.

já foi o tempo de dizer meia coisinha, empilhar o pequinininho para quando viesse o grande não assustasse ninguém. já foi o tempo de fingir que era bobagem, de andar de cabeça pra baixo pra ver se o coração escorregava pela goela, e de dizer para todo mundo que esse incômodo que vai no peito é pigarro, do cigarro que você fumou quando ouviu pela primeira vez aquilo que você já sabia que eu ia dizer.

quem diz já foi diz que fica pra dormir, e puxa o lençol e faz questão de acordar de madrugada, porque o quarto tá frio, ou estava.

e aí eu saio de casa e bato a porta. antes eu vesti meu terninho e fui pra rua pra ver a rua passar porque tava com isso entalado no peito. eu que aprendi a ouvir o silêncio tateando no escuro, tenho também o direito de ter meu dia de repartição. de acordar com o som do carimbo batendo na minha porta, de te ver com a papelada na mão me dizendo "olha, tá tudo certo". tenho sim, tenho até direito de cansar da poesia, do dito que se diz meio que se querendo dizer tudo mas sem falar tanto para não causar espanto, aquele de sempre. tenho direito à vontade de dia claro na praia, de deitar na areia e pensar que carangueijo são os outros, não meu bem.

não tenho? eu não estou te pedindo hora extra, que passe a noite em vigília das tuas tolices de menina que tanto me faz bem, mas quero sim férias. quero poder sentar no lugar mais alto do meu feudo e abrir o peito para você pousar. tenho essa vontade sincera de apenas ser a pista de de um vôo nada ousado, bem planejado e pensado, porque quem diz quero te ver diz estou a caminho e corre logo pro abraço, porque gentileza não é comida que se requente.

eu quero o simples: pão com manteiga, café com leite, e não me incomodo de preparar isso todos os dias. quero calma, quero paz, com açucar mesmo, servido na caneca, tudo quentinho, porque entre a gente as coisas são sempre assim. quero acordar um dia e não me espantar mais de você estar ali. quero a rotina, pasta de dente e briga de toalha molhada em cima da cama. não quero só isso, mas quero isso um pouco... porque eu sou assim também. quero a certeza que só quem dividiu o mesmo saco de pipoca sabe. o egoísta é aquele cara sozinho, no fundo do cinema, que sempre paga inteira.

eu quero um pouco, sim, eu quero. quero eu, eu quero. esse tempo todo eu só ouvi eu do outro lado da mesa, e balancei a cabeça e topei. agora eu peço que você seja menos eu e me deixe ser mais você e me dê o gostinho de um mimo, um abraço, um afago. que me diga o que sabe que quero escutar e o que preciso escutar: eu sou tão eu quanto você e como você mereço. sinto-me muito confortável em estar aí para você, mas você tem que estar aqui quando eu quiser também. isso se chama nós.

agindo assim, morreu eu, morre você e nasce a certeza que ambos queremos. não tem outro caminho. o nosso por enquanto é pelo ar, dia vem que vai ser pela terra, e até nadaremos contra a maré só pelo prazer das braçadas juntos. todavia, certo agora é que passarinho que não voa cai do ninho, vem a cobra e nhac, come. não é ameaça, é a biologia do desinteresse e falta de empenho. só vive quem ousa: o mundo é sempre maior que o raimundo, porque ele é um só.

apesar de você já saber o que diz que quer saber, se quer descobrir algo, mesmo o sabido, vai ter que começar quebrando o espelho pra ver o que tem dentro da parede. marrete daí que eu marreto daqui, e assim qualquer muro cai mais fácil e a gente faz aquela reforma no nosso quarto, que há tanto tempo estamos planejando, juntos.

quem diz sentir diz trabalho. arregace as mangas, ou então se contente com o contracheque magro e comida da prisão: sim, nenhuma parede - por mais colorida que seja - cai sozinha.

amo você

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Unknown disse...

"Quem bater primeiro a dobra do mar
Dá de lá bandeira qualquer, aponta pra fé
E rema

É, pode ser que a maré não vire
Pode ser do vento vir contra o cais
E se já não sinto teus sinais
Pode ser da vida acostumar
Será?
Sobre estar só, eu sei
Nos mares por onde andei devagar
Dedicou-se mais o acaso a se esconder
E agora o amanhã, cadê?"

Dois Barcos - Los Hermanos