[Da Podolatria]



Descobri que gostava de ti
No dia que cobri o teu pé descoberto
Naquele momento de intimidade
Que me vi só eu só e teu dedão
Ponta do iceberg-sem-cutícula
De tua colossal figura

Descobri que gostava de ti
Assim, como quem descobre uma cor
E logo imagina em si, como esmalte

Descobri que gostava de ti
E fiquei ali, e naqueles longos momentos
Em alegrias de pedicure
E tive medo do frio te acordar
E denunciar a punjância
Deste amor-em-despudor
Descobrido, e por isso
Descoberto.

Descobri que gostava de ti
Mas não fui eu que descobri
Foste tu, ao mexer-te-em-cama
Não tenho culpa
Mas agradeço a bio-mecânica
Do teu bem sonhar

Descobri que gostava de ti
E te cobri, com a manta do assombro
Fiz do teu pé o segredo
Que devidamente aquecido
Florescerá em quase-Ícaro
Mito-anúncio da primavera
Última estação dos que voam contigo.

Descobri que gosto de ti.
E agora, o que faço disso?
Agora que tudo é presente
E anda descalço por aí?

Como pedaço de ti
(Não o pé, falo de mim)
Acho que não tenho muito o que fazer
A não ser aceitar este viver-entre
Como bicho-em-pé, coceira boa
Ou qualquer outra coisa
Desde que nossa.

Vamos caminhando
E apesar das unhas pretas
Testemunho dos tropeços e do passado
Tudo morre, tudo descasca, tudo se renova
E de ti, peço apenas uma coisa:

Não percas nunca
Essa tua mania
De te colocares, assim colocando-me
Em altos saltos.

Adoro!

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