Pax Lusitana



You know what they say: o mundo é um quarto de hotel no Rossio. Roda a bola e eis que toda a gente vem dar aqui a meio caminho da Baixa, ouvindo o Chiado dos carros lá embaixo e do povo giro que acha fixe fazer barulho de manhã cedinho, inferno de quem sobe a colina e fica até mais tarde tomando vinho no Alto do Bairro, o monte dessa preguiça criativa de quem tem alguns escudos, antiga moeda das presentes imperiais.

You know what they say, e eu não podia ser diferente. Gosto de não acordar cedo e olhar o Rio de noite. Gosto de pensar que mereço algumas férias depois dela, dela e da outra. Aqui eu sinto o gosto, pela primeira vez, de escrever algo que não seja o passado. Sinto essa alegria de viver em um tempo que é tão antigo que nada disso existia: a insustentável leveza do paralepípedo que se desmancha no ar. A mesa n' A Brasileira, do lado do Fernando, com quem converso todos os dias, não todos que tem dias que não aguento o jeito londrino dele, que gosta de reclamar do tempo das coisas, da chuva e dos pombos que têm essa eterna mania de fazer piada de gente que fica parada no mesmo lugar. 

You know what they say sobre os bons costumes. Alguns momentos são de uma simplicidade tão crua que faz o homem ajoelhar-se sobre as calças de linho: um cálice de vinho da madeira é toda a doçura do mundo em uma nota de 5 euros, a mais pequena delas por sinal. A mão corre pro bolso do terno inglês, o dedo ajeita o óculos de armação italiana depois de acertar a volta do bigode, e a boca é o começo do túmulo das uvas que alguém colheu para colorir as primaveras da Rua Garret, onde todas as verdades se dissolvem nos taninos de uma tarde tranqüila.

You know what they say: Camões é o porteiro do turno da noite. Fica ali em sua praça, ao pé das travessas estreitas e das tascas. Um pé sucede o outro nas marchas pelas calçadas: aqui a bohemia requer preparo físico. E os atletas da boa mesa se esbarram sem se tocar, respirando fundo frente a escolha do dia: bacalhau ou polvo a lagareiro? Hoje vou D'ouro ou algo mais ousado, que sabe um frutado do Algarve? Sentados, somos todos oráculos, antítese da Esfinge: ao primeiro toque revelamos alegremente nossos segredos. A boca fala algo do estômago educado, o hálito é medido em cifras invejáveis. Ninguém é estrangeiro, ninguém é local e todos são senhores. Nunca temos opiniões, e sempre sugestões.

You know what they say a respeito da necessária gratidão a isso tudo. Sim, sou, tanto e muito. Só não me peça para me sentir culpado porque experimento a chance de ter paz em muitos anos. Porque depois de uma vida de não's, agora sei o gosto do sim. Não me afeta essa afetada crueldade pseudo-calvinista dos que carregam a peçonha por baixo do manto, ao mesmo tempo que saúdam César, como que em júbilo antecipado dos idos. Seguimos firmes, mão no leme e olho na terra, sempre às vistas. Pedimos apenas licença para sacudir a poeira e rir desse riso leve de quem finalmente cruzou o cabo da boa esperança.

You know what they say, e hedonismo é a derrapada na curva do aprender a gostar de si mesmo. Eu acho que tamanha preocupação é desconhecimento do autor da assinatura das faturas. A distância e a tranquilidade de bons dias cicatrizam feridas, trazem novas luzes para velhos candeeiros e inclusive têm o poder de te deixar mais humilde. Se hoje eu não ligo para ti e para ti, e não escrevo para ti, é porque sou pai de uma nova calma de espírito que só o estar longe do outro lado de tudo me ensinou. Se hoje hasteio alto minha bandeira e busco novos portos é porque tenho do lado de lá de quem ficou a amizade sincera e o incentivo dos que acreditam em mim. Por isso, abençoem minha caravela e rezem por minha viagem. Tudo isso vai voltar em dobro para você, e você e você, na forma de alguém que sempre carregará o respeito e a gratidão por tudo, dentro de si e direcionado para vós.

Por enquanto eu tenho meu escritório na Rua da Barroca, vários números. Estou sempre por lá, abraçado com pessoas, frutos do mar, da parreira e cervejas. Dá para me ouvir rindo lá do Cais, Sodré diria. Mais uma vez, obrigado por tudo, mas por favor, licença que quero ser feliz.

You know what they say, Deus fecha uma porta para abrir uma janela, e eu sou testemunha disso: quando fecha o Portas Largas e acaba o samba, a noite continua no Janelas do Atalaia. 


Um beijo para todas, e tenham uma excelente vida.

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